Quando Juscelino Kubitschek foi eleito
Presidente da República, em 1955, a revista “O Cruzeiro” publicou uma
fotografia de página inteira da fachada da casa onde nasceu JK, em que aparecia
bem nítida a numeração 241 do prédio. Conta-se que, em Jaguarão, o proprietário
do Hotel Fronteira na época acreditou nesse número como um palpite infalível e
resolveu apostar uma grande soma na “quiniela” uruguaia, vindo a ser
contemplado com uma razoável fortuna, a qual poderia ter sido ainda maior se
ele dispusesse de mais dinheiro para tanto.
Enquanto isso eu vivia suspirando por um
sonho revelador que me possibilitasse uma tranquila independência financeira.
Até que um dia me vejo como “chofer de auto de praça”, sentado a uma mesa num
Café, em Caxias do Sul, e então me aparece o amigo “Rato”, dono de uma oficina
mecânica, para me informar que o veículo que tinha deixado para conserto já
estava pronto. Pergunto se dispunha da Nota Fiscal, assim pagaria ali na hora e
depois iria retirar o carro onde se encontrava. “Rato” apresenta-me o documento
Nº 1201... E eu me acordo imediatamente para anotar aquela surpresa.
Devo esclarecer que nunca fui “chofer de
praça” e, até aquele momento, ainda não conhecia Caxias do Sul. “Rato” era um
parceiro do Café do Comércio e tinha defeito de nascença nas pernas que o
obrigava a caminhar com dificuldade, muito menos chegou a proprietário de
qualquer oficina. Só mesmo dos meandros do inconsciente podia aflorar uma
história tão fantasiosa, motivando-me a catar todos os “pilas” onde pudesse
encontrá-los para jogar com sofreguidão em tudo quanto era tipo de jogo da
“quiniela” de Rio Branco: 201 na cabeça, do primeiro ao quinto, aos vinte...
A lista com os resultados oficiais dessa
loteria uruguaia costumava chegar a Rio Branco, cidade fronteiriça do outro
lado do rio Jaguarão, por volta das 17 horas, através do carro motor que vinha
de Montevidéo. No início da rampa de acesso daquela localidade, defronte a Casa
Simon, até o plano mais elevado da Aduana, existia um quadro onde era divulgada
a listagem dos vinte números sorteados. No lado brasileiro, alguns aficionados
postavam-se às margens do rio e aguardavam o apito estridente do trem, chegando
na Aduana e chamando-os para conferir a “buena dicha”.
E dali, com esse sinal, iniciava-se a
marcha batida dos inveterados da “quiniela” para cruzar a fronteira, na
esperança da realização de seus palpites. Numa dessas vezes, misturei-me ao
pessoal, o coração batendo acelerado como se quisesse adiantar no caminho.
Chegando naquela rampa, consegui avistar o “2” da centena no primeiro prêmio.
Pernas frouxas, mal prosseguiam em alguns passos, o suficiente para distinguir
o “0” da dezena... Modedocéu, não é possível! Comecei a tremer, as vistas
turvas nem alcançavam o algarismo da unidade. Precisei chegar bem perto da
tabuleta para enxergar aquele “202” frustrante, em oposição à expectativa da
Nota de um sonho.
O fato consumado, relatei a passagem
para a roda do meu grupo no Café do Comércio, o personagem onírico ali
presente. Pois “Rato”, que tinha sua experiência das "fezinhas" no jogo do
bicho, inconformado com essa “furada”, indignava-se por eu
não ter procurado sua assessoria: “Tu podes ser inteligente, porém, pouco
prático. Não acertaste porque não quisesses...” – E eu ali boiando e querendo
adivinhar onde tinha me enganado: – “Presta bem atenção, coisa simples, sem
erro, bastava ter somado o “1” do milhar a “201” da centena, ora bolas!”
Nem preciso contar do trauma que se
apossou de mim, daí em diante, e me afastou definitivamente dos jogos de azar,
afora algumas “tentaçõesinhas”.