UMA ABORDAGEM SOBRE ESTRUTURA E MARCAÇÃO
DE PERSONAGENS
Segundo a mitologia grega, Medusa teria
sido uma jovem que, por haver ofendido Minerva, foi castigada tendo seus longos
e maravilhosos cabelos transformados em serpentes, o seu olhar ganhando o poder
de petrificar quem os fitasse. A partir desta colocação, passamos a entender o
significado do título “A Valsa da Medusa”, obra com que Valesca de Assis faz
sua estreia como novelista. A medida com que o drama evolui, compreendemos
perfeitamente as danças dos personagens com seus “demônios do coração”.
Enfeixado em 92 páginas e 18 capítulos,
um roteiro ágil entremeado por diferentes perspectivas do narrador, essa novela
logo nos conduz ao clima da ficção. A história, que cativa o leitor em seu
decorrer, adquire força na reconstituição de uma época passada há quase século
e meio. A riqueza dos detalhes levantados através de pesquisa séria faz-nos
sentir Porto Alegre, Rio Pardo, Santa Cruz, Rio Pardinho, Faxinal, Rio de Janeiro,
Brasil e Europa ganhando vida naqueles tempos. As informações são transmitidas
ao atual e se aprende com gosto até mesmo a influência do regime de chuvas e
ventos à navegação da Lagoa dos Patos.
A marcação dos personagens nos permite
analisar a importância de cada um no contexto da novela. Tristan Waldvogel é de
longe o que mais se salienta: está presente em 62 páginas (78%), além de
concentrar em si mesmo o foco narrativo em 12 capítulos (onisciente coletivo,
3ª. Pessoa). É a criatura carente de vida marcada pela tragédia – “Tristan será
seu nome porque nascido da minha tristeza” – que busca transferir um
desconhecido afeto materno a um amor idealizado através de suas andanças como brummer querendo “completar o vazio
imemorial que o impede de existir por inteiro”.
Pauline Eick é a personagem que secunda
Tristan: a sua marca aparece em 42 páginas (46%) e como foco narrativo (3ª. Pessoa)
nos capítulos VIII e XIV que tratam de suas confidências a Cláudia Santo Roque
e de suas reflexões acerca do dilema Jacob e Tristan. Retrata-se mais a mulher
determinada e sensível que se deixa influenciar pelas mandingas da amiga e
guarda consigo a poção milagrosa para salvar e enfeitiçar a vida do amado.
O ritual desse amor proibido começa a
ser desvendado através da indiscrição de Ingrid Marie Eick, a filha adotiva de
Pauline e Jacob, explicando à sua maneira, quase um fluxo de consciência, todo
o jogo de interações entre os membros de sua família. É “eu” testemunha que faz
contraponto ao narrador onisciente nos capítulos II, VI, X e XVI, com crédito
de 25 páginas (27%).
Um dos elementos do triângulo é Jacob,
marido de Pauline, que se apresenta em 23 páginas (25%) – “um estrangeiro em
seus domínios” – o homem inadaptado à sua realidade, deslocando todo o sentido
da sua vida para o filho Theodore. Este, o elo capital na corrente familiar,
atrai atenção de todos, a vivacidade correndo solta nas reminiscências,
conforme mostram 16 páginas (17%).
Robert Ave Lallemant, médico alemão que
faz amizade com Tristan durante viagem de inspeção extraoficial às colônias, e
João Martinho Buff, diretor da colônia de Santa Cruz, igualam-se em
participação através de 21 páginas (23%) e significam polos opostos quanto ao
estabelecimento daquele personagem na região. Em 19 páginas (21%), surge a figura da
avó, a Oma, com a sua forte
influência de raízes e tradições, completando a formação do ambiente doméstico.
Para não alongar esta exposição, restaria ainda
dizer do misticismo nativo de Cláudia Santo Roque como que mexendo este
caldeirão de costumes (pasmem: 13 páginas (14%), das troças de Lise com Ingrid,
das implicâncias com Catherine Ullmann “feia como um susto”, da dedicação do
médico Dr. Schnapp nos momentos cruciais da vida familiar, diluídos cada qual
em apenas 10 páginas (11 %).
(Publicado no jornal "A Notícia", de São Luiz Gonzaga-RS, em 22/23 de dezembro de 1990.