Justo naquele dia, em que o amigo Milton
e eu resolvemos dar um giro pelas casas noturnas de nossa preferência, tinha de
acontecer aqueles fatos inusitados. Logradouros mal iluminados, de repente nos
vimos no centro de uma confusão danada, cercados pelos brigadianos na quadra
fechada. Milton, com os braços levantados, pedia para que eu parasse. Surdo,
segui caminhando em direção àqueles dois vultos que gritavam alguns metros na
minha frente, até sentir uma carabina encostada em meu peito e entender o que
eles queriam: “Não se mexa, fique onde está!”
Justo naquele dia, o técnico alemão que
trabalhava em sondagem de petróleo na localidade, depois de encher a cara de
tanta cerveja com soda limonada – se queixava do amargor da nossa bebida –, inventou
de apedrejar os vidros das casas com “luz vermelha” nas portas, provocando todo
aquele aparato policial, além de algum casal clandestino se valer de saídas de
emergência... E eu por pouco não fui acusado daquela “germânica” esculhambação
para ser submetido a maiores interrogatórios, graças à interferência de Milton
convencendo os guardas de minha deficiência auditiva.
Justo naquele dia, ainda tivemos coragem
de chegar à casa de “Tia Margarita”, quando Marlene deu para se engraçar comigo na
frente de Pedrão, estivador no caís do porto e “dono do pedaço”, de quem tinha se
afastado por desentendimento amoroso. Mal enxergou seu brutamonte ali chegando,
jogou toda sua robustez amassando meu colo franzino e tentando despeitá-lo: “Viu
só? Já estou com homem novo...” Eu tentava me desvencilhar e aquela abundância
me lambuzava com o batom exagerado de seus lábios: “Eu fora, não tenho nada que
ver com isso” – enquanto Mister Músculo cerrava os punhos, dizendo para eu fazer
bom proveito.
Justo naquele dia, entrei madrugada
adentro, detido por Marlene em seu quarto, invejando Milton que tinha se
retirado mais cedo. Porém, não me demorei muito e logo consegui escapar das
garras daquela “matrona”, saindo para a rua apressado e temendo alguma represália por parte do rival descartado. Assim, colocava à prova minha regra de evitar
qualquer confronto e manter distância de indivíduos mais avantajados
fisicamente. Acredito que meu anjo da guarda fez um bom trabalho, conduzindo-me
são e salvo, apesar dos sobressaltos da jornada.
Justo naquele dia, nem sei onde estava
com a cabeça para enfrentar tantas adversidades. Bem que podia continuar enfiado
no salão de sinuca, bebericando e enchendo os pulmões com a fumaça dos cigarros
acesos. Afinal, estava me divertindo com as discussões acaloradas dos
inconformados perdedores, eu mesmo arriscando algumas tacadas sem capricho em
inocente passatempo. Depois era só pagar a conta dos minutos gastos e sair
incólume por onde entrara. Mas tinha que falar mais alto o notívago inveterado,
querendo esticar o tempo ocioso...
Justo naquele dia, tive oportunidade de
consolidar uma forma de conduta que valoriza o respeito mútuo e as
diferenças, evitando as reações intempestivas. E até agora, tenho me valido
dessa mansidão para colher os efeitos desejados por minha vontade. Desde então,
é que esse fato veio a ficar indelevelmente marcado e, sempre que posso,
procuro compartilhar a lição aprendida com outros mais próximos e necessitados
deste modesto modo de pensar, como veio a ocorrer anos mais tarde com um velho
conhecido.
Justo naquele dia, surgiu a mensagem que
se ajustaria futuramente para advertir certo cidadão idoso e metido a
conquistador que estava a fim de assediar uma senhora presente no almoço em que
estávamos juntos:
- “Olha só que linda aquela “coroa”, vou
lá falar com ela...” – e eu lhe preveni:
- “Não vai não, "seu" Chico, que o marido
dela é atleta de luta livre”. E mesmo assim, ele nem se convenceu, tinha outras
convicções e me retrucou, batendo pé:
- “Pode ser lutador, mas não quer dizer
que deva estar ‘descalcificado’!”
5 comentários:
Parabéns, amigo Souza!
Manso, é quem prefere semear a sua valentia na História, em vez de ficar gastando-a em cada esquina...
Ou, não?
Abraço,
Garoeiro
Cumprimentos, Souza
Ainda bem que escapaste....
É isso mesmo, bom José Alberto.
Há que registrar certas passagens simples, porém extraordinárias.
Baitabracito / Aguinaldo
Muito bom, José Alberto, as tantas trapalhadas.
Mas seguistes em frente e não te intimidastes e ainda sobrou para aconselhar o amigo.
Um abraço. Está muito boa esta. Hunder
Quanta trapalhada.... Souza.
Muito boa.
Um abraço.
Diná
Postar um comentário