O Poeta Garoeiro, de Natal-RN, intima-me
para que escreva as “Crônicas de Cantalício e Florisbela”, impressionado com os
relatos do saudoso Pedro Leite Villas Boas ao grande Mário Quintana, na única
ocasião em que o encontrei no arquivo do Correio Povo e fui apresentado por
aquele bibliófilo nosso conterrâneo. Então Pedro falou dos seus tempos de
encadernador na tipografia de “A Miscelânea” e Quintana escutava com especial
atenção o desempenho de minha tia e mãe de criação Florisbela de Souza Resem,
esposa de Cantalício, em suas lides domésticas e comerciais.
Naquele tempo, Cantalício Resem foi
designado por Carlos Barbosa, conterrâneo então Presidente do Estado do Rio
Grande do Sul, a assumir funções como Juiz Distrital em Jaguarão, não obstante a
suas desculpas de que não se encontrava preparado para exercer esse cargo. Sem
outra opção, teve de se valer de uma alentada biblioteca jurídica, a que sempre
recorria varando madrugadas no estudo dos autos de julgamento. Sem uma
conclusão definitiva, muitas vezes vencido pelo cansaço, decidia-se por sua
consciência para emitir o parecer final.
E esses pareceres chegaram a se tornar
jurisprudência nos tribunais, motivo de grande admiração de muitos juristas da
Capital, como os desembargadores Nésio Miranda e Celso Afonso Pereira que
sempre o visitavam em suas passagens por Jaguarão. Ai também esteve o
conceituado causídico Felipe Machado Carrion, também diretor do Colégio
Estadual Júlio Castilhos na época em que lá estudei, que fez questão de conhecer
aquele juiz cujas opiniões legais eram objeto de consultas por vários de seus
colegas para firmarem posição na defesa ou na acusação de réus em julgamento.
Florisbela
preservava-o de forma a nunca comprometê-lo com qualquer deslize, esmerando-se
na recepção dos visitantes que não se cansavam de elogiar sua famosa sopa de
entrada nos almoços. Aliás, minha prima Graciema Resem da Silveira costumava
dizer que Florisbela era uma pessoa sábia que se fazia calada sem se intrometer
nos assuntos a que não era chamada, evitando qualquer impertinência. A sala de
jantar do sobrado em que residiam, parecia um templo ornamentado pela cultura
daqueles que tiveram o privilégio de lá desfilarem seus conhecimentos.
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Douglas Marcelo
Rambor, parceiro e grande pesquisador sobre o futebol gaúcho, revela-me a
faceta de “desportistas” do casal, enviando a correspondência – acima ilustrada
- que comunica a eleição em 07/Jul./1905 de uma das Diretorias da Sociedade F.B.Sport
Jagurense, provavelmente a primeira entidade esportiva da cidade, constando o
nome de Cantalício Resem como 2º secretário dessa agremiação. Entre seus
familiares era conhecida a ojeriza que passou a nutrir pelo esporte bretão
desde que constatou a péssima habilidade de seus conterrâneos no trato com a
bola.
Este fato teve origem
a partir do momento em que assistiu a uma partida de futebol contra marinheiros
de um navio inglês ancorado no porto de Rio Grande, apresentando um verdadeiro
espetáculo de domínio da pelota no campo da peleja, não conseguindo aceitar a condição
de perna-de-pau daqueles amadores de Jaguarão. Isto apesar de ter o filho
Anysio que se destacava nas equipes em que participava, negando-lhe sempre o
apoio de sua presença para conferir sua habilidade técnica. Até o fim de seus
dias não acreditou que Jaguarão chegasse a ser um celeiro de craques.
Para dar um exemplo
dessa birra, o primo Anysio contava-me da sua grande mágoa ao término de uma
partida na equipe do Ipinha de Jaguarão contra um quadro de Treinta y Tres –
Uruguai – em que fizera o gol da vitória e todos os pais dos atletas ipaenses
invadiram o campo para abraçar seus filhos, Diz ele que teve de engolir em seco
essa comemoração solitária. Florisbela também era contrária às tendências do
menino Anysio em se misturar com os moleques, correndo atrás de uma bolinha nas “peladas”
do Largo da Bandeira, motivo de algumas reprimendas quando chegava a casa
6 comentários:
Caríssimo Amigo,
2018 está quase...
Precisamos postar novidades sobre nossas mais queridas velharias...
A verdade da vida em nossos blogs é o esforço de anunciar o futuro polindo e descobrindo as maravilhas do passado, nosso bom passado...
Tanto assim, que este Garoeiro tem a petulância de sugerir ao Poeta das Águas Doces, para recheios no Blog a partir de janeiro, "Crônicas de Cantalício e Florisbela"
Se até o Grande Poeta Mário Quintana adorava ouvir a narrativa dos fatos da vida de Florisbela - como está gravado e postado! - que diremos, nós!
Mãos à obra!
Um grande e saudoso abraço!
Garoeiro
Adorei Tio, fiquei com dó do meu pai, pela falta de apoio do vô e da vó ao seu talento futebolístico.
Amigo Souza!
Parabéns pela beleza (e clareza) dos teus textos.
Sempre tive a curiosidade de saber de onde vinha este dom. Acabo de conhecer essa origem: contágio familiar.
Grande abraço
Zinada
Muito bom, José Alberto.Gostei muito. Um abraço.Hunder
Tio, queria que a dona Lucy tivesse tempo para ler tuas crônicas.
Ela, quando viva, me contava as apavorantes inchentes do rio Jaguarão, os uruguaios nos telhados ,atirando para cima e pedindo socorro. Saudades da minha mãe.
Tiozinho, vê-lo comentar, escrever, falar sobre o vô Cantalício, faz com que eu reviva toda uma infância passada em Jaguarão, sempre aos finais de ano e nas férias colegiais de julho! Quem disse que recordar é viver, não poderia estar mais certo!!! Vivi e recordei muito ao ler teu escrito. Sempre tive na figura do meu saudoso vô Cantalício, o modelo de retidão, persistência e serenidade, dentre outras qualidades.
Amei teu texto, amei a maneira como escreveste sobre ele! Obrigada por esse "brinde" ao passado! Um beijo da tua sobrinha Lorena.
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