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Já é hoje uma
espécie rara, senão desaparecida. Quando eu era jovem e me iniciava na vida
forense, ainda eram numerosos os advogados provisionados, desrespeitosamente
chamados de “rábulas”, sem formação jurídica regular, mas praticantes do ofício
com direitos adquiridos na época da liberdade profissional. O Rio Grande do
Sul, em função da constituição castilhista de 1891, tivera a singularidade de
admitir que qualquer profissão, inclusive as mais dependentes de formação
científica, como a medicina, a engenharia ou a odontologia, pudesse ser exercida
por amadores, feitos na prática do cotidiano e licenciados mediante o simples
pagamento de um imposto de licença. Daí haver numerosa classe de dentistas e
construtores “licenciados”. Não me lembro de ter conhecido “médicos
licenciados”, porém conheci vários formados num curso de curta duração (três
anos) da Escola Médico-Cirúrgica que certamente exerceram a profissão até a
década de 1960. Até sucedia que tais profissionais fossem bem sucedidos e não
revelassem incompetência. Mas evidentemente constituíam um perigo no
atendimento à saúde humana e no exercício de atividades cada vez mais
complexas.
Advogados
provisionados representavam risco menor para a sociedade, e houve alguns com
excelente desempenho, que até se tornaram famosos como criminalistas. Nas
comarcas em que comecei a desempenhar as funções de promotor de justiça, ainda
encontrei alguns provisionados competentes, com larga experiência adquirida nos
cartórios e salas de audiência. Mas também tropecei com os efeitos do
despreparo técnico e teórico. Lembro-me bem de haver sido procurado certa vez
pela viúva de um funcionário, para uma consulta inusitada. Seu marido morrera,
deixando-lhe apenas a casa de moradia. E o provisionado que estava promovendo o
inventário dos bens do falecido dissera que ela não tinha direito à herança,
porque fora casada com separação de bens. De fato, o advogado estava
habilitando como herdeiras as duas irmãs do defunto e deserdando a viúva. Logo
lhe esclareci que, segundo o Código Civil, o cônjuge, em qualquer regime de
bens do casamento, é o terceiro na vocação sucessória, após os descendentes e
os ascendentes, e, na falta destes, é herdeiro único, prevalecendo sobre os
colaterais, como os irmãos e sobrinhos; Pediu-me a viúva que eu interviesse no
inventário de seu marido, para fazer prevalecer seu direito, e tive de
explicar-lhe que, num feito entre maiores e capazes, não havia intervenção do
Promotor de Justiça. No máximo eu poderia conversar com seu advogado e
esclarecer sobre o erro em que estava incorrendo. Foi o que fiz, enfrentando
alguma resistência, porque o rábula insistentemente alegava que o defunto era
casado com separação de bens. Ele custou a entender que o direito de herança
não se confunde com meação conjugal. Esta não existia em razão do regime de
casamento, mas a vocação hereditária era legal e indiscutível, pela ausência de
descendentes e de ascendentes vivos do falecido.. Ele afinal corrigiu o
inventário que iniciara, e a pobre viúva pôde ficar com sua moradia. Guardo
comigo a carta agradecida que ela então me endereçou.
A
formação acadêmica pode fazer falta algumas vezes. Mesmo profissionais sérios e
bem intencionados, como era o caso daquele rábula, podem cometer erros
grosseiros no exercício da profissão.
6 comentários:
Fui cliente do sr. Carlos Rabeno, um provisionado que era auxiliar de um escritório de advocacia em Porto Alegre, vindo a me orientar no primeiro apartamento que adquiri na rua Demétrio Ribeiro (Edifício Nelson, reduto da família Menda), lá pelos anos setenta. Uma negociação tranquila.
Rábula famoso e estimadíssimo da população de Salvador foi o “Major” Cosme de Faria, que atendia ao pobrerio em dependência de uma das inúmeras igrejas da capital baiana. Hoje, ele dá nome a um dos bairros da cidade.
Gostei!
Está tudo bem?
Nunca mais escrevi.
Abração!
Valeu - é o que podemos chamar de uma escrita escorreita.
É mole?
Sei que gostas do SCF. Eu também.
abraço grande
Em jag uarão, conheci vários "rábulas" era bem assim como colocou o Dr. Sérgio da Costa Franco, nosso conterrâneo. Um abraço,José Alberto.Hunder
Parabéns!
Todos os "Provisionados" que conheci, davam de dez a zero em tantos diplomados.
Mas o caso mais historicamente notável, na História do Brasil, seja o de Luís Gama, rábula dos pobres e dos escravos, em São Paulo, para quem a OAB concedeu o título de Advogado, 133 anos depois de sua morte...
Garoeiro
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