Na minha idade há grande perigo de me
tornar repetitivo, contando histórias que já foram contadas. Especialmente
quando se fez colunismo desde o outro milênio, ou, mais precisamente desde o
ano de 1969. Confio em que o meu estoque de “causos” e anedotas seja bastante
grande, para resistir a esses 48 anos de memórias registradas na imprensa,
desde a “Voz da Serra", de Erechim, passando pelo velho Correio do Povo e
a Zero Hora, de Porto Alegre, onde assinei umas cinco mil e duzentas crônicas
ou comentários opinativos, até 1989, quando deixei de fazer estatísticas.
Depois disso, aposentado, continuei escrevendo eventualmente, para diversos
periódicos, em geral sem qualquer remuneração, mas ainda assim com o ânimo incontido
de me comunicar com o público.
Vocês dirão que estou com a pauta
esgotada, sem possibilidade de contar qualquer novidade. Mas como o texto do meu livro de memórias foi
encerrado em 2006, já sobram mais de dez anos sem a narrativa de vantagens ou
fracassos, nem de observações sobre os outros viventes, que são fonte
inesgotável de inspiração.
Minha pauta de agora tende a ser
didática, atendendo às experiências de octogenário. Observo hoje as práticas
civilizadas do comércio de varejo, onde a clientela é atendida segundo corretas
prioridades, assegurada a preferência dos idosos e deficientes físicos, em
geral mediante a prévia distribuição de senhas numeradas E me lembrei do tempo
em que a desordem imperava, tanto nos guichês das diversões públicas quanto no
balcão das repartições ou das casas de varejo. Pelo que me lembro, foram as
dificuldades de abastecimento durante a 2ª. guerra mundial, que introduziram o
saudável hábito das filas, então chamadas de “bichas”. Mas antes que a
experiência das filas fosse aceita e assimilada pelo público, houve um tempo em
que predominava quem reclamasse mais alto ou quem desfrutasse das simpatias do
atendente.
É deste período o episódio que
testemunhei, numa das cidades onde vivi, no açougue do Beto Cunha (o nome é
fictício para não atrair eventualmente a ira do falecido). Com a freguesia se
acotovelando junto ao balcão, o Beto era sozinho para cortar, pesar, e embrulhar
os pesos de carne, além de receber o respectivo preço. Compreende-se que
sofresse e se exasperasse. Foi então que assisti à divertida cena. A freguesa
apressada para ir cozinhar o almoço, enquanto não era atendida, repetiu mais de
uma vez o seu pedido, que, salvo engano, era de 1 quilo de paleta, sem osso. Com
vinte anos de pesado serviço entre carnes e fressuras, ganchos, facas, chairas
e balanças, o Beto Cunha não seria exatamente um gentleman com a freguesia, e
muito menos com os impacientes. Depois de mais um pedido da freguesa, ele deu
um corte fundo na paleta bovina e largou na balança o enorme pedaço, que devia
regular uns 3 quilos.
- Tá bom assim, vizinha?
Assustada, a mulher contestou:
- Mas, Seu Beto, eu só quero l quilo.
- Ué, pediu três vezes!
Com a distribuição de
senhas à freguesia, já não acontecem mais essas cenas caricatas.
3 comentários:
Certa vez estive num churrasco na casa de um colega e estranhei que ele desinfetava a carne com limão - procedia assim porque o sogro dele era açougueiro e não costumava lavar as mãos após sair do banheiro...
Caaro0 José Alberto, a Crônica do Dr. Sérgio é bem oportuna, porque no dias atuais tudo que se vai fazer é através da senha que pode ser comum ou prioritária para os mais velhos. Com isso resolveu-se o problema de filas e desesperos por ser atendido em qualquer lugar. Muito oportuna a crônica, Um abraço. Hunder
Parabéns! Muito boa crônica. Luiz Carlos Teixeira
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