MEMÓRIA DO RATINHO - Sérgio da Costa Franco
Quando
me lembro das muitas coisas que ocupam minha memória dos 90 anos e que os
contemporâneos mais jovens desconhecem, é inevitável que me venha a vontade de
escrever. Vinte anos de crônica diária, no passado século vinte, me marcaram.
O
primeiro estágio dos Costa Franco em Porto Alegre foi no bairro Menino Deus,
então um arrabalde bucólico, onde restavam vastos terrenos baldios, chácaras
onde se cultivavam frutíferas e hortigranjeiras, e o silêncio das noites só era
quebrado periodicamente pelo ranger do bonde República. Minto. De vez em
quando, para surpresa de todos, adultos e crianças, o sossego era quebrado
pelos acordes do “homem da flauta”. Esse personagem andava pelas ruas do bairro
com sua flauta de taquara, - instrumento artesanal com mais de metro de
comprido -, onde ele assoprava melodia indefinida e creio que jamais
identificada. Talvez uma valsinha antiga, tornada compatível com seu rudimentar
instrumento. Houvesse público, ou não, para escutá-lo, ele parava em qualquer
esquina e dava o seu recital gratuito, sem pedir propina ou qualquer espécie de
retribuição.
Por
muito tempo o chamávamos simplesmente de “homem da flauta”, até descobrirmos
que ele era bastante conhecido no bairro como o “Ratinho”, pois outra de suas
habilidades, além da música, era imitar a perseguição de um camundongo, o que
fazia imitando os gritinhos de sua suposta vítima e surrando o chão com a
flauta de taquara. Mas esse “show” só era dado a pedido e por insistência de
seu público infantil. Quero imaginar que ainda hoje existam remanescentes desse
público, certamente entre octogenários e nonagenários, pois não estou tão
sozinho. Porém o bairro já não tem seu “Ratinho”. Certa padronização alcançou
todo o mundo, e mesmo com o esvaziamento dos manicômios, não se encontram mais
os tipos singulares eu davam pauta aos cronistas. Ou será porque não vamos mais
às ruas desertas e sinistras da cidade?
4 comentários:
Como não resisto a “cronicar” de vez em quando, os amigos que me suportem. Abraço do Costa Franco
Prezado tocaio.
Confirmando a regra, muito boa a tua crônica Memória do Ratinho. Seu valor é quadruplo: coça teus dedos, satisfaz teus leitores, mostra algo peculiar do bairro numa dada época e faz com que Ratinho seja lembrado.
Confio que cotinues a cronicar/coçando teus dedos.
Grato e com meu abraço,
Sérgio Teixeira
Na nossa idade, lembrar é importante. O problema é compartilhar com alguém que tenha vivenciado. Gostaria de saber, qual a época ou ano que estes fatos narrados se passaram.
Oportuno comentar com Costa Franco, sobre um Jornalista que convivi todos os verões de 1990 a 2000. Me refiro a Alberto André, e me reporto ao texto, na parte em que o autor fala das possíveis testemunhas vivas dos fatos narrados, me lembro de uma história a qual André todo verão me contava, eram de fatos ocorridos em 1936.
Após o termino da história, aquela ilustre e culta figura de oitenta e poucos anos me perguntava ¨Tu lembra¨, eu que nasci em 1958, por educação e principalmente honrado com sua presença, todos os anos que passamos juntos respondia que ¨Sim¨.
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