terça-feira, 31 de agosto de 2010

Para Não Esquecer Edu da Gaita

O monstro sagrado Glênio Reis, querido patrono desse blogue, manda pautar uma matéria sobre um ilustre conterrâneo e glória da nossa MPB: Edu da Gaita. Este celebre instrumentista, nascido em Jaguarão a 13 de outubro de 1916, recebeu na pia batismal o nome de Eduardo Nadruz. Apresentado em 1934 a César Ladeira, da Rádio Mayrink Veiga/Rio de Janeiro, este lhe propôs o nome artístico pelo qual é conhecido até hoje, por ser anti-radiofônico o de nascimento. Contratou-o na ocasião para fazer o prefixo de um novo programa, cujo tema escolhido foi o de “O Gordo e O Magro”.
Aos 10 anos, família radicada em Pelotas, arrebata um concurso promovido pela fábrica de gaitas Hohner, onde participaram cerca de 300 alunos dos colégios Gonzaga e Pelotense, sendo premiado com 200 mil réis. Dos 15 finalistas que realizaram o espetáculo no Teatro Guarani, Edu foi o último a se apresentar, quando então se consagrou praticamente com uma gran finale de trechos de ópera, começando com a Tosca, seguindo-se Fausto, Rigoleto, Madame Butterfly, La Traviata, Cavalaria Rusticana e arrematando com a protofonia de O Guarani para delírio do público.
Com a crise em seus negócios, Aref, o pai de Edu, viu-se forçado a encaminhá-lo em 1933 para São Paulo a fim de conseguir emprego e ajudar nas despesas da família. Com o capital de 300 mil réis desembarcou primeiramente em Santos e depois se dirigindo a São Paulo, na famosa rua 25 de março, reduto da colônia árabe paulistana, onde teve de encarar o clima de animosidade contra os gaúchos desde a revolução de 32. Tantas dificuldades e sem recursos para seu sustento, Edu teve de abandonar a pensão onde morava, perambulando em pânico e sem destino pelas ruas centrais de São Paulo.
Nessa caminhada, acontece de avistar dois mendigos, um deles tocando gaita enquanto o outro arrecadava as esmolas dos passantes. Dá-se um estalo na cabeça dele que logo acorre à tradicional casa Manon, situada ali perto, e pergunta ao gerente se tem gaita para vender. Este lhe diz que não consegue negociar um estoque antigo. Sem vacilar, Edu faz uma proposta e acerta uma comissão de 30% caso vendesse as mesmas. E ele escolhe uma das gaitas entre as duas dúzias encalhadas e começa a tocar na porta da loja, iniciando a sua carreira de músico ambulante. Em duas horas, liquida a fatura.
Em 1937, é convidado a participar de espetáculo no cassino Copacabana, porém, teve de apresentar carteira profissional e para isso providenciou o encaminhamento no Ministério do Trabalho, cuja burocracia não define a sua profissão, terminando por lhe enquadrar como músico “excêntrico”. Daí em diante, passou a viver uma estranha dicotomia em que era considerado um “popular atrevido” para a área erudita e, ao contrário, “erudito” na área popular.
No Brasil, a harmônica de boca não possuía cátedra, razão pela qual nosso personagem tanto se empenhou em vida por elevá-la ao seu justo patamar, atingido com a sua pioneira execução do Moto Perpétuo, de Paganini (http://www.youtube.com/watch?v=KrriLcEPiOk). Tanta dedicação só poderia resultar mesmo num prêmio inesperado, quando a 22 de novembro de 1958 se viu coroado de sucesso com sua execução acompanhado pela Orquestra Sinfônica Brasileira , em primeira audição mundial, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, do “Concerto para Harmônica e Orquestra de Câmera”, de Radamés Gnattali, sob a regência do autor.
Ressalte-se o grande amor pela sua pátria que jamais pensou deixá-la, apesar dos conselhos dos amigos e das inúmeras oportunidades conquistadas no exterior. Preferiu ficar aqui, esquecido e pobre, conforme veio a falecer em 23 de agosto de 1982.

sábado, 14 de agosto de 2010

UMA MADRUGADA DAQUELAS

O elevador demora. Ela se impacienta. Corre de um lado para outro. Sobe e desce as escadas do prédio. No corredor de entrada, acelera e desacelera a moto. Uma Yamaha 1100 cilindradas. Presente do pai fazendeiro no Mato Grosso. Logo ela sai para a rua. Freadas e desviadas bruscas. Cortadas de frente e cavalos-de-pau. Jaquetão preto de couro, calça de brim desbotado, fita vermelha na testa, cabelos longos se enroscando ao vento, ela desafia os passantes soltando as mãos do guidom, braços rasgando o ar, aos guinchos como no caratê.
Ela providencia assim todos os detalhes de um ambicioso projeto: produzir um vídeo clip do ensaio da sua banda de rock no JK onde mora. O namorado arranja as três rodinhas para adaptar numa banqueta alta, nesse tripé deve colocar a câmera de vídeo. Persistente, ela consegue ensinar ao namorado o manuseio da filmadora e se libera para tocar o seu contrabaixo. Ao anoitecer, cessa toda essa movimentação. Algumas horas de calmaria. Além da entrada do namorado no elevador mais cedo que o normal, o porteiro nada constata. Porém, passada a meia-noite, começa a notar um trânsito incomum de gente, carregando caixas dos mais diversos tamanhos e formatos.
Em estreitos limites, ela faz de tudo para racionalizar o espaço. No banheiro, almofadas, se amontoam em cima do vaso sanitário. Roupas, cobertas, toalhas, fogão, panelas, colchonete e outras miudezas estão atulhadas no box. Para o namorado dispor do máximo de movimento livre para as filmagens. As últimas instruções são dadas, ela testa a calma do corredor. Então se volta para dentro: “Vamos lá, pessoal!”
Ela faz gemer as cordas do contrabaixo, agita os quadris jogando as pernas como potra selvagem. A turma não fica para trás, aquece o mais que pode o ritmo ensurdecedor. A princípio, o namorado tenta focalizar as evoluções dela. Mas com o passar do tempo, ele se perde de tal forma que acaba estatelado no banheiro, a câmera voando por cima das panelas. O tripé da banqueta enfiado na cabeça, ele berra. Os metaleiros se assanham ainda mais. Uma madrugada daquelas, o porteiro roncando atrás do balcão, ninguém no Edifício que se animasse a dar um basta.