“O pior bolicho do mundo, o homem que se esconde em si mesmo, a hospitalidade campeira, as frustradas tertúlias em volta do fogo de chão, as desventuras do Tigre (o bravo cachorro que os acompanhou)” – retrata bem certo espírito indômito através do relato “Terra
Adentro” de Luiz Sérgio Metz, Pedro Luiz da Silveira Osório e Tau Golin, três
jornalistas gaúchos que empreenderam uma jornada em lombos equinos, saindo de
Santa Maria até chegar a Jaguarão, treze dias após percorrerem árduas trilhas desse
pedaço do território sul-rio-grandense.
Confesso que tenho certa inveja de minha
sobrinha Ana Lecy Souza Pacheco pelo tipo de atividade que exerce. Como
funcionária da Emater, ela percorre nosso município, prestando assistência
técnica a vários estabelecimentos rurais. Não tem dia nem hora para colocar o
pé na estrada e se enveredar campo afora, não importa como esteja o tempo, faça
chuva ou faça sol. E lá se vai ela pelos caminhos empoeirados ou então tirando
“peludo” em vias enlameadas, cruzando arroios e abrindo porteiras para se
extasiar com a fantástica paisagem dos cerros ondulantes.
Enquanto outros acumulam milhas nas
andanças por outras paragens exóticas, ilustrando-se com uma cultura global a
fim de se tornarem cidadãos do mundo, eu me contentaria em chegar até algum
boteco na beira da estrada para adquirir conhecimento intuitivo com os
frequentadores do local. “Apeie, vivente, e venha tomar um mate conosco” – uma
saudação rica de acolhida, sem dúvida alguma me deixaria realizado na intenção
de ampliar os horizontes do meu universo pessoal e satisfeito a contemplar um
infinito de tempo e espaço desconhecido.
Em São Paulo, tive oportunidade de
conhecer uma estrada secundária para Itu, atravessando o carro de balsa pela
represa de Guarapiranga, passando por Bom Jesus de Pirapora e retornando por
Campinas. Também cheguei a me atrair pela permanente nebulosidade de
Paranapiacaba, estação da Santos-Jundiaí, a que me arrisquei, motorizado, subir
a serra a partir de Mauá com pouca gasolina no tanque e sem saber da
inexistência de postos de abastecimento nas redondezas. Mesmo assim consegui um
garrafão de 5 litros retirado do estoque de combustível no
único empório do povoado.
Durante certo tempo, a ladeira da Rua
João Carvalho, no bairro Agronômica, foi meu endereço residencial em
Florianópolis-SC. O relevo dessa capital é rico de aclives e declives que não
impedem sua escalada imobiliária avançando nas encostas dos morros, casarios e
escadarias nas mais inóspitas localizações. Assim, não consegui conter minha
curiosidade de saber o que existia no fim daquela rua, decidindo-me a subir
lomba acima e chegando até o fim do calçamento. Dali em diante, apenas seguia
uma vereda rudimentar a perder de vista, o que me fez desistir dessa incursão.
Também em Florianópolis, andei fazendo
diversas travessias pela Ponte Hercílio Luz no trajeto da Ilha para Capoeiras e
vice-versa. Para lá levamos uma “alemãzinha” de Três Riachos, distrito de
Biguaçu-SC, a fim de ajudar nos serviços de casa, comprometendo-nos a deixá-la
com seus familiares de sábado a domingo, quando iríamos busca-la. Ela descia do
carro no fim da estradinha que terminava próximo ao mercado existente na
região e seguia por uma trilha que a gente não sabia aonde ia dar. Até que um
dia um colega se dispôs a acompanha-la para apanhar um passarinho e se
arrependeu amargamente, depois de uma longa caminhada pelos morros cerrados.
Aquele mercado era uma espécie de “centrinho”
de Três Riachos e que se enchia de gente toda vez que lá chegávamos e, numa das
voltas, esperava-nos, junto com a filha, a mãe para reclamar sem qualquer
discrição estar a menina passando fome lá em casa, pois não servíamos pirão, o
prato predileto dela. Assim, oferecia-nos um saco de farinha de mandioca para
engrossar nossa alimentação. Ali mesmo provamos a qualidade do produto caseiro
de um branco puro, gostoso de ingerir até mesmo cru, vindo a se adicionar em
nossos hábitos alimentares com aprovação de toda família.