segunda-feira, 22 de agosto de 2011

"Pega na cola que o resto não amola!"

Eram os anos cinquenta, em Jaguarão predominavam como assuntos ora o futebol, ora as carreiras de cancha reta que deslocavam a política para uma abordagem secundária e as cores partidárias se trocavam conforme o livre arbítrio de cada um. No Café do Comércio, andava-se de uma mesa para outra e se constava essa predileção entre os diversos clientes, não se tinha muito a escolher. Agora os carreiristas eram mais chegados à barbearia do Márcio Tissot, outro aficionado que atraia e dava linha para os clientes, demorando-se em suas conjeturas turfísticas que enervavam aqueles que não estavam a fim de papo.
Na época, recém se fundara o Jockey Club de Jaguarão, modismo que provocou algum esvaziamento nos estádios de futebol existentes na cidade, prejudicados pela concorrência com os páreos de longa distância, aos domingos, no Prado local. Disputavam a corrida principal o parelheiro Lord, pertencente a meu primo Anysio de Souza Resem, e a potranca Princesa, de propriedade do Dr. Ernesto Marques da Rocha, ex-prefeito do Município, em infindáveis tira-teimas consequentes das discussões que se sucediam na barbearia do Márcio, nenhum deles querendo dar o braço a torcer.
O Lord não tinha lá o seu pedigree, pois era descendente duma eguinha zaina e mansa que tio Cantalício tinha em sua chácara, após o passo dos Correias. Resultara do cruzamento com o tordilho Nico, este sim um excelente troteador e puxador do carrinho que conduzia Anysio para visitar a noiva na estância do futuro sogro no Cerrito. Mas aquele era um animal diferenciado que logo revelou seus pendores para o galope nas pistas de corrida, vindo a se tornar alegria de muitos apostadores na fase inicial quando pagava generosas “poules”, as quais em seguida deixaram de ser compensadoras...
Porém, havia um complicador nessa história toda: era o jóquei Matraca, um mestre nas rédeas apesar de muito chegado a um trago amigo que, às vezes, sumia na véspera e só aparecia todo borracho pouco antes de correr – e dê-lhe banho frio para se compor. Assim meu primo se viu obrigado a construir uma casinha de alvenaria na chácara do seu pai Cantalício, com um quarto para alojar Matraca e o tratador “seu” Benício, encarregado de vigiar os passos daquele, tendo ao lado a baia que abrigava Lord. E de madrugada, todo dia, saiam os dois para varear e cronometrar os tempos do parelheiro.
Anysio me falava que se dedicaria a viajar por todo Estado caso dispusesse de um capital maior, possibilitando-lhe a corrida do Lord em localidades onde não fosse conhecido para obter melhores rendimentos. Até que o doutor Ernesto se dando conta da melhor performance deste em relação à Princesa, terminou comprando-o. E o primo, acreditando nas melhores condições financeiras do seu rival para explorar o potencial do seu cavalinho, não relutou em se desfazer do mesmo. Acontece que Marques da Rocha se enfezou com a aquisição e terminou “queimando” suas fichas em canchas de baixo retorno...
Quando chegava à chácara de tio Cantalício, sempre procurei tomar meus mates com “seu” Benício e Matraca, levando alguns livros para que eles se distraíssem durante a semana. Numa dessas ocasiões, “seu” Benício Tissot, que também era pai do barbeiro Márcio e de uma filharada imensa dessas de campanha, convidou-me para ir até sua casa situada “logo ali” quem vai para a capela de São Luiz. E lá fui eu, roçando fundilhos em cima dos pelegos da sela de um petiço, a visitar o humilde rancho desse tratador. Foi uma festa a nossa chegada. Na porteira, a filha mais moça do velho, toda sorridente, e ele me larga uma pérola:
- “Que tal, te agrada essa flor de prenda?”

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Quem diria? Já cozinhei pra cachorro...

“Sempre me surpreendo, me decepciono quando encontro a maldade em estado puro... em crianças e pré-adolescentes” – a escritora e poetisa Profª. Maria Clarice Sampaio Villac se mostra desencantada, relatando em sua crônica (http://www.simplicissimo.com.br/colunas-ativas/daqui-de-la/aquela-historia--quando-vai-acabar) recente experiência em sala de aula com alunos de idade média entre 11 e 12 anos na escola em que leciona em Valinhos-SP, alguns dos quais manifestaram modos incorretos de tratar os animais. A meu ver, só o fato de abordar esse assunto deve ter contribuído para lançar em mentes férteis uma boa dose de valores humanísticos.
O tema serviu para me provocar profundas reflexões. Por não ser muito afeito a encarar perdas constantes como são aquelas que dizem respeito aos animais de estimação, que têm vida breve se comparada a nossa existência, tenho evitado não me envolver em demasia com tais apegos. Mas nem por isso deixo de admirar aquelas pessoas que se dedicam a cuidar destas criaturas compartilhando da nossa jornada pelo planeta no qual habitamos. Há pouco, vimos na televisão o esforço sobre-humano de uma família em São Paulo que buscava os mais avançados recursos veterinários para salvar o seu dócil leão acometido de uma doença degenerativa.
Minha esposa e meus filhos são apaixonados por cães e gatos. E eu, na medida do possível, sempre os apoiei nessa preferência, assumindo encargos de providenciar os cuidados necessários, tais como saúde e alimentação, inclusive como cozinheiro de cachorro, aquela mão de obra considerável. Hoje, com os filhos encaminhados na vida, a mulher e eu vivemos sozinhos em apartamento sem a compensação de afetos alternativos. Já moramos em casa bem situada no nosso bairro, sendo um dos motivos pela longa permanência na mesma o pátio e o jardim que nos permitiu ser acompanhados por uma gentil “collie” até o fim de seus dias.
Pois nessa residência procedemos algumas reformas para adaptá-la às nossas necessidades, uma delas foi a construção de uma “suíte” em cima da garagem para ser instalado o quarto do casal que posteriormente tivemos de trocar por razões ortopédicas na subida da escada. Então ali se acomodou um dos filhos até encontrar outro espaço de maior privacidade. E este era useiro e vezeiro em atrair os gatos da rua para sua companhia dentro do quarto. Os bichanos se acostumaram então a entrar pela janela sem a menor cerimônia a qualquer hora do dia ou da noite, tendo de me valer de algumas vassouradas para ser mais respeitado.
Ali recebemos um casal de parentes que era habituado a dormir de janela aberta, fosse verão ou inverno, para melhor renovação do ar ambiente. E não é que a gataria invadiu o recinto sagrado, provocando o maior escarcéu por cima de tudo que era móvel e assustando aquela gente... Mas não eram só essas inconveniências que os bichos aprontavam, bastava que se deixasse alguma abertura por onde eles pudessem chegar e logo apareciam ninhadas aqui e ali, o que sempre acarretava um tempo para serem descartados em algum local propício às suas sobrevivências. Até chegamos a apelar para a Associação Protetora dos Animais, cruz credo!
Agora o outro filho foi quem nos brindou com aquela “collie” que ele trouxe para casa quando procurava comprar uma roupa emborrachada de “surf” e terminou trocando por aquela filhota que viu num “pet shop” em seu trajeto. Antes já nos tinha enfiado uma lebre (ou coelho, sei lá) que extinguiu todo o verde existente no quintal, além de espalhar “bolinhas” por toda casa, obrigando-me a construir uma gaiola para conter a danada. Terminei negociando a “fera” com gaiola e tudo - e mais uma pelega de mil no pescoço - para um colega de serviço que morava num sítio, convencendo-o das vantagens da cunicultura como reforço da economia doméstica.