domingo, 27 de abril de 2008

Eis a questão: Serenata ou Seresta?

Imaginem só: de repente, sou surpreendido pelos jovens Cláudia Ávila, Janete Costa e Amarildo Dutra requisitando-me para apresentar o meu depoimento sobre seresta e serenata a fim de ser registrado no documentário Viola Enluarada, projeto cultural que atualmente estão desenvolvendo.
A princípio, até que duvidei como poderia colaborar nesse projeto, mas acabei topando o desafio de resgatar lembranças dos tempos da minha mocidade.
Foi como uma tempestade cerebral que se armasse nos meandros do meu subconsciente.
Como diz o outro – se não sabe, inventa – de cara já me deparei com a diferença de significado entre seresta e serenata, alguma coisa eu tinha lido, e fui me lembrando do sereno da madrugada, a serenata só podia acontecer na rua, à janela daquela pessoa especial a quem se dedicaria o canto romântico, o timbre sonoro que saia da caixa umedecida das violas.
Já a seresta seria coisa mais do interior das casas, onde se criaria o clima das cantorias e confraternização entre todos participantes.
Um sarau acredito que possa ser considerado uma seresta mais formalizada, a sala de visitas de uma residência servindo de local de reunião, os convivas bem apresentados aos quais se ofereciam canapés e licores.
Também havia aquelas sessões inesperadas, conhecidas como assaltos em que um determinado grupo se juntava para combinar a tomada de surpresa da residência de um amigo que se mantinha isolado, ignorando o golpe que se preparava.
Assim, o bando chegava naquela casa em horas nem tão tardias, vamos dizer, quando os moradores estavam prontos para recolher-se a seus dormitórios e iam fechar a porta da rua, lá estavam de emboscada para impedir o sono reparador das suas vítimas.
Precisava-se ver o corre-corre do dono da casa para buscar as bebidas e comidas a serem oferecidas aos artistas que invadiam a sua residência.
Ainda uma serenata podia tornar-se uma seresta; para tanto, bastava que o pessoal homenageado acorresse à janela para assistir e aplaudir a demonstração dos serenateiros – desculpe o meu neologismo – convidando-os para que adentrassem na casa que lhes retribuía então com uma bem servida mesa de petiscos e aí então aqueles passavam a ser seresteiros, cantando e tocando para seus anfitriões.
Outra característica bem marcante da serenata seria a sua realização em plena madrugada, de preferência em noites enluaradas, enquanto a seresta não tem um horário específico e pode concretizar-se até mesmo num churrasco de fim de semana.
Tudo isso eu fico imaginando só de ouvir falar, embora a minha vontade fosse a de ter uma participação mais ativa nesses acontecimentos, quem sabe encantando alguma donzela se tivesse uma voz privilegiada ou então executando com maestria algum instrumento de cordas.
Não me sendo possível, contentar-me-ia em ser mestre de cerimônias desses eventos.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

DISCONTUS

Domingo, manhã cinzenta, passeia no parque.
Donzela linda o acompanha, volúvel mexe as ancas, atrai a cobiça.
Já acostumado, ele tira baforadas do cachimbo.
Ignora.
De repente, liberada se agacha, faz xixi em público.
Ele tolera tudo menos a falta de compostura:
- Mas que vergonha, Donzela!

sábado, 5 de abril de 2008

Em legítima defesa da própria honra

Não sei como apareceu lá em Jaguarão um fotógrafo de Pelotas a fim de retratar os formandos da Escola Técnica de Comércio para que cada um trocasse com os demais colegas as fotos que seriam postadas no seu álbum de lembrança. Esse cidadão tinha uma estampa bastante parecida com o Amigo da Onça, da revista O Cruzeiro - casaco trespassado, ombreiras largas, abotoaduras nos pulsos da camisa, gravatinha borboleta, calças com bainha afunilada, sapatos de verniz de bico fino e a cara então era sem tirar nem por a mesma daquele personagem.
Eu não fazia parte daquela turma de formandos, pois estudava em Porto Alegre, apesar de freqüentar os encontros rubiáceos no Café do Comércio, onde a gente ia jogar conversa fora; eram velhos amigos, companheiros das noitadas nas pensões da zona ou então do futebol de salão, em que alguns costumavam atuar no campeonato local. A gente ali na roda do cafezinho e ele, bom de papo, insinuava-se imperceptível, contando piadas, discutindo futebol e conquistando o pessoal com as suas refinadas maneiras; sabia vender o seu peixe como ninguém e, quando nos dávamos conta, ele já era um dos nossos.
Um dos companheiros, o Nico, não era lá muito bem dotado de atributos estéticos, mas apesar do seu porte franzino, tinha o seu cartaz como aguerrido atleta do Esporte Clube Cruzeiro do Sul. Pois esse nosso Amigo da Onça caiu na asneira de garantir ao Nico que tiraria uma fotografia artística sua, que ia dar uns retoques aqui e ali, nem o próprio se reconheceria - o Marlon Brando (naquela época era o xodó das gurias) que se cuidasse, pois logo logo elas iriam trocar as figuras nas paredes de seus quartos.
E lá se foi o Nico, faceirito que nem mandalete de donzela, junto com o Amigo da Onça para as poses no seu estúdio instalado dentro do quarto do hotel – spot pra tudo quanto é canto, tinha iluminação para tirar qualquer sombra, até mesmo de nariz avantajado, estava caprichando naquela sessão super cansativa a que se submetiam os mais famosos modelos do mundo.
Concluídos os trabalhos de fotografar todos os formandos, voltou a Pelotas para revelar os negativos e tirar as cópias dos mesmos, retornando logo após a Jaguarão para fazer as entregas das encomendas. Encontrando o Nico junto com a turma no Café, passou-lhe às suas mãos as respectivas fotos – decepção do dito cujo com a fidelidade ao original – horrorosas em sua opinião, não as quis receber.
Aí, o Onça propôs ao Nico resolver a pendência numa partida de snooker – ganhasse o Nico ficaria com as fotos e não precisava pagar, caso contrário ele Onça receberia o pagamento devido. O Nico meio que regateou, mas terminou topando, já que o outro confiava demais no próprio taco e, assim acertados, os demais da turma como testemunhas, dirigiram-se ao Snooker do Darcy ali perto, para esse duelo a fim de lavar a honra ultrajada.
No cara ou coroa, coube a tacada inicial para o Onça, seguindo-se depois as encaçapadas sucessivas do Nico até a bola 7, liquidando a fatura numa noite de Rui Chapéu.
Porém, o Onça não se convenceu que tinha diante de si um dos mais famigerados caçadores de marreca da região, pedindo revanche mediante aposta do valor das fotografias. O Nico meio que sorriu disfarçadamente (eu não quero te massacrar, cara!) e fechou na hora a parada; desta vez, no entanto, resolveu dar linha ao Onça, deixando que ele fizesse as primeiras encaçapadas e esperando a vez da investida fatal – de propósito demorou um pouco para concretizar.
A essa altura, o Onça já tinha entregado as fotografias e pago para que o Nico as recebesse; tampouco tinha se dado conta da sua conduta de marrecão assumido, vamos para a negra, dou-lhe doble, insistiu, insistiu e lá se foi para o matadouro inocentemente, nem preciso contar o desfecho da história – não houve jeito do coitado recuperar a justa remuneração do seu labor.