sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

O PÃO DORMIDO DE UMA CRÔNICA

Apesar da virada dos quatro dígitos, ainda não havíamos chegado ao Século XXI nem tão pouco ao Terceiro Milênio. Porém o fascínio que nos causou trocar o 1 pelo 2 e os três 9 pelos três 0, tinha algo de místico e profundamente revelador. De repente, parecia que despertávamos de um sono letárgico e nos dávamos conta das grandes transformações que ocorriam no mundo em que vivíamos. Dos mais idosos aos mais jóvens, cruzando os limiares de 2001, logo iríamos carregar a pecha de haver nascido no século passado.
Quantos de nós deixamos de perceber a gradativa evolução arquitetônica de nossas cidades? Ainda existiam essas relíquias tombadas pelo patrimônio público como registro de uma época de fausto. Assim, podia-se constatar o alto pé-direito daquelas edificações, as vigas de madeira tosca a sustentar o assoalhado dos pisos superiores. Ou então as artísticas fachadas com ornamentos cuidadosamente executados, portas e janelas refletindo a ostentação de uma riqueza concentrada nas mãos de poucos. Estruturas de ferro e aço, o concreto das lajes, formas buscando a funcionalidade, o ar condicionado, o elevador, provocavam revisão de conceitos no projeto de prédios atualmente mais despojados.
Até meados daquele século, os objetos pareciam relutar em se tornar peças de museu. Geralmente tinham a sua serventia situada desde um passado distante. E eis que chegávamos a civilização do consumismo desenfreado, do obsoletismo programado. E ai começávamos a fazer arqueologia em recentes depósitos de lixo, dos quais se extrairiam desde radinhos de pilha até computadores e calculadoras eletrônicas, resultantes da revolução que a nanotecnologia ocasionava na compactação desses aparelhos.
Quantos de nós, já arqueados pelos anos, ainda não revivíamos aqueles tempos em que possuir uma geladeira dava status a seu proprietário? Em que teimávamos, década de quarenta provavelmente, mantendo os “frigoríficos”, móveis de madeira de lei, revestidos internamente com folhas-de-flandres, onde se gelavam e conservavam bebidas e alimentos, juntos a barras de gelo. Essas adquiridas em fábricas funcionando anexas a usinas elétricas com geradores acionados pelo vapor resultante da queima de carvão nas caldeiras.
Os antigos filmes americanos já nos mostravam as primitivas televisões que surgiam no mercado ianque, um inacessível sonho para nós brasileiros que não demorou muito para se concretizar – essa majestade que determinava a derrocada do rádio e do cinema, trancando as pessoas em casa com drástica mudança de costumes. As visitas perdiam a sua razão de ser...
E ainda permanecia fresca em nossa memória a lembrança do telefone de manivela com bocal fixo e terminal de escuta que se levava ao ouvido, solicitando-se o número desejado à telefonista na Central para aguardar com o fone no gancho que fosse completada a chamada... Então engavetávamos esse texto com receio de que fossem dizer que havíamos começado a “recordar a História, nem era preciso ensinar”.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Como me tornei projeto em Valinhos

Ao abrir minha caixa postal na noite de ontem, deparei-me com uma mensagem cujo assunto me despertou bastante a curiosidade – Projeto José Alberto de Souza. Tratava-se de um link do portal “Projeto Letras e Artes Horácio 2011” (http://projetoletrasearteshoracio2011.wordpress.com/2011/12/17/projeto-jose-alberto-de-souza/#comment-162), que reúne criações literárias e artísticas dos alunos dos 7ºs anos de 2011, do Ensino Fundamental da EMEB Horácio de Salles Cunha, em Valinhos, SP, sob a coordenação das professoras Clarice Villac, de Língua Portuguesa, e Leila Rangel, de Artes.
O projeto consistiu em sortear entre os alunos do 7º. Ano B os dois livros de minha autoria que enviei para a Escola, onde cada um deles, após a leitura dos mesmos, deveria apontar o texto que mais lhe agradou a ser lido para toda classe comentar a respeito e assim sucessivamente procedendo-se novos sorteios, os quais resultaram numa atividade bastante envolvente e motivadora de trabalhos bem elaborados.
A Profª. Clarice Villac que muito me honra com sua presença em meu círculo de amizades virtuais, notadamente como seguidora deste nosso modesto blog, atuou como revisora da coletânea “Varal Antológico”, organizada pela escritora Jacqueline Bulos Aisenman, natural de Laguna-SC e residente em Genebra (Suiça), e teve a generosidade de comunicar a Jacque sua apreciação sobre o “Velho Chateau Daqueles Rapazes de Antigamente”, com o qual participei daquela obra, opinião que me foi transmitida em 14,02.2011 pela ilustre lagunense. Através de rastreamento na Internet, acabei descobrindo o endereço eletrônico da Profª. Clarice e assim agradeci sua atenção.
Logo depois, resolvi lhe enviar “Lá Pelas Tantas” e “Para Não Dizerem Que Passei em Brancas Nuvens”, títulos de minha autoria. Desta forma, fiquei conhecendo a moça idealista com notável atuação nas áreas pedagógicas e ambientais, uma persistente semeadora de valores humanísticos em sua comunidade, como pude constatar não só através de “Cantinho Literário” e “Ponto de Luz”, portais que edita com brilhantismo na Internet, como também das virtuosas atividades que vem desenvolvendo em sua Escola.
Palavra que não esperava essa tremenda repercussão alcançada junto a um jovem público que me analisa detidamente e externa espontaneamente seus qualificados comentários. Impressionou-me sobremaneira o entusiasmo com que levaram a cabo suas tarefas, fruto do carinho e paciência com que são orientados para futuramente exercerem com dignidade a sua cidadania. As duas mestras, Clarice e Leila, são bem uma mostra da abnegação dessa briosa classe dos educadores, ainda não suficientemente valorizada em nosso país.
A utilização da ferramenta informática em sala de aula demonstra bem a importância da interatividade entre professores e alunos que assim podem trocar idéias e enriquecer conteúdos didáticos, estabelecendo bases sólidas para um melhor rendimento através de um aprendizado rico de saber humanístico.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Parceiro Vado Medeiros na "sobreloja"

Contemporâneo de Pedro Bartholomeu Ribeiro (Tutuca) no Ginásio Estadual de Jaguarão, eu ficava abismado com a sua verve em composições musicais que produzia a torto e direito, sem se importar com o destino que elas tomariam. Quando muito apresentava as mesmas através de performances beneficentes do Conjunto “O Ginasiano”, na época composto por ele, Luiz Fernando Cassal, Eulálio Delmar Faria (Pato) e mais os saudosos Luiz Carlos Silveira (Bode), Oscar Godofredo Porciúncula (Porraço) e Luiz Elder Franco, inclusive tinha o samba “Trovejou, Relampeou”, de sua autoria, como característica musical do grupo.
Eu não me conformava com tanto talento desperdiçado e tentava convencer “Tutuca” a encarar melhor a divulgação de sua obra, mas ele Pedro Bartholomeu sempre me contestava com a demasiada mão de obra que lhe custaria investir nessa empreitada, não valia a pena. E ai eu, nulidade em qualquer ritmo, meti-me a querer provar como não seria tão difícil assim. E comecei a cantarolar alguns versinhos que me vieram à mente, saiu “Boa Noite, Alegria”. Depois numa viagem naqueles ônibus antigos da Fréderes, que rangiam com as “costeletas” da estrada de terra, comecei a escutar uma melodia naquela barulheira, “Seu Boa Piada”...
Um belo dia, enchi-me de coragem para apresentar esses “pecaditos” ao notável instrumentista de Jaguarão, Oswaldo Emílio Medeiros, nosso querido Mestre Vado. Voz de taquara rachada, ritmo precário, fui “largando a franga”. Ele me pediu que parasse, obedeci envergonhado. Ele pegou um pedaço de papel, riscou algumas pautas, apanhou o “surrado” clarinete de palhetas amarradas com barbante, deu uma ligeira afinada e me ordenou “canta de novo”, “para”, solava aquela coisa e depois escrevia as notas na modesta partitura. Canta, para, toca, anota e assim fomos indo. Em questão de minutos, as partituras estavam prontas.
“Quanto é, Mestre Vado?” De jeito nenhum quis me cobrar. Disse-lhe então que dali em diante o apresentaria como parceiro. Aceitou relutante, pois queria me convencer de que tinha passado para o papel aquilo que lhe transmiti. Na ocasião, recomendou-me que procurasse o professor Alcebíades Lino de Souza, pianista jaguarense, diretor do Conservatório Musical de Pelotas, para fazer o arranjo para piano e o desenho da partitura. E lá fui numa “via-crúcis” danada, dando cabeçadas de tudo que é jeito. Estabeleci meus primeiros relacionamentos no mundo musical e terminei editando a partitura definitiva e encalhada daquelas músicas.
Em 2002, produzi “Fundo de Gaveta”, CD/Demo reunindo parceiros e intérpretes para compilação de tudo aquilo que resultou dessa nossa jornada e ali registrando o samba “Boa Noite, Alegria” e a marcha “Seu Boa Piada”, ambos com música de Oswaldo Emílio Medeiros e letra de José Alberto de Souza, com muita honra. Pouco tempo depois, estive jantando numa churrascaria da Coxilha/Uruguai, onde me juntei aos amigos Cláudio Rodrigues, Newton Silva e Arnoni Lenz, para entregar essa modesta gravação aos companheiros “Tutuca” e Vado Medeiros, integrantes daquela coletânea.
Hoje sou surpreendido pela matéria “Jaguarão está de luto: faleceu Mestre Vado” postada em http://confrariadospoetasdejaguarao.blogspot.com/2011/12/jaguarao-esta-de-luto-faleceu-mestre.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+blogspot%2FmhyBLf+%28Confraria+dos+poetas+de+Jaguar%C3%A3o%29 e, pesaroso, estou publicando este meu depoimento sobre um ilustre conterrâneo, personalidade ímpar da nossa cultura popular, de grande contribuição a tantas orquestras e conjuntos regionais que se formaram em Jaguarão e Rio Grande, aonde chegou a acompanhar consagrados cantores do cenário nacional. Acredito que São Pedro deve estar recebendo-o de braços abertos ouvindo:
“Seu Boa Piada,
Seu Boa Piada,
conte mais uma,
bem bem engraçada,
daquelas que o senhor,
dizer sempre costuma...”

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Reflexões sobre a incrível efemeridade



Dei uma circulada pela ancestral cidade e constatei uma gradativa perda de referência. Senti bastante a falta daqueles amigos que tomaram outros rumos, alguns deles partindo para outros planos. Até os antigos pontos de encontro já não existiam mais, substituídos por acanhados recintos que mal acomodavam os remanescentes daqueles bons momentos ali vivenciados. E agora aquele resistente boteco se tornava recanto tradicional, onde achávamos algumas caras vincadas diuturnamente que ainda podíamos reconhecer e assim compartilhar de um papo afável regado com o cafezinho da casa ou a água mineral servida bem geladinha para espantar a rouquidão das cordas vocais. 


Pouquíssimos conhecidos me reconheciam e eu não conseguia me lembrar das suas antigas figuras, hoje mais barrigudos e de cabelos grisalhos. “A quem devo a honra de me dirigir?” – era minha constrangedora saída para me situar num distante espaço de tempo. Alguns, mais afoitos, que não sentiam os anos pesando em suas costas, não deixavam por menos e me provocavam: “Mas tu ainda estás vivo!”. E eu tinha que bater três vezes com a mão em qualquer pedaço de madeira para tirar o pé da cova... De repente, gritavam meu nome e eu olhava para um lado e para outro e só via aquelas damas todas eufóricas. “Qual delas?” – me inquiria apelativo. 

À noite, andando por aquelas ruas repletas de passantes desconhecidos, julgava-me como um espectro que tudo vê e não é visto, a enxergar os vultos difusos das minhas lembranças, passado que teimava por não ser esquecido. Saudava-os como nas noites em que, na saída do cinema, respeitosos casais caminhavam lépidos tentando aquecer os corpos açoitados pelo vento hibernal e desprotegidos apesar das grossas vestimentas, na direção da cafeteria mais distante para o choque térmico do chocolate quente. Mas eles também não me avistavam nem respondiam ao cumprimento como se eu fosse um fantoche das próprias ilusões. 

Também andei passeando nas alamedas da minha aldeia de saudades eternas. Naquelas pedras frias e tristes, os retratos amarelecidos pareciam me contemplar através de um limiar imaginário. Pacientes, eles sempre esperavam a minha chegada, querendo me agradecer pelas piedosas orações. Esta energia que emanava do infinito estabelecia uma espécie de comunicação com aqueles entes queridos. Ali estavam as profundas raízes desse tronco que ainda permanecia de pé e se ramificava em outras gerações. A nossa capelinha se mantinha cuidada e pronta para o ornamento reverencial das flores como eu gostaria que continuasse quando ali fosse conduzido. 

Pois esta minha imersão nesse mundo de outrora me fazia refletir sobre a efemeridade da vida, de memoráveis instantes que não se eternizam. De hora em hora, a necessidade nos impele a profundas transformações, a nos adaptar a novos comportamentos ditados pelo aqui e agora. Assim como antigas células de qualquer organismo dão lugar a outras mais novas num processo constante de renascimento, também nosso entorno submete-se a severas mudanças. A mãe Natureza sempre procura nos alertar e preparar para esse ciclo irreversível de plantio/germinação, crescimento/maturidade, colheita e letargia. Até mesmo o progresso implacável contribui para o supremo desígnio do Universo.