domingo, 21 de dezembro de 2008

EIS AÍ A MINHA RÉPLICA...

Porto Alegre, 2 de abril de 1986.
Que bom teres apreciado aquela singela história do Rafael e da Leila! Confesso-te: já me sentia por demais ansioso na expectativa de uma manifestação tua. Eu bem que imaginava - estivesses desfrutando do teu pedacinho do paraíso situado lá no extremo sul da nossa Pátria - o Hermenegildo - enquanto se avolumavam na soleira da porta da tua casa tantas e tantas mensagens de amor e carinho de todos amigos e familiares que te lembram saudosamente por ocasião das festas natalinas...
Minha cara maestra, quem tem de se penitenciar, se acaso algum lapso tenha havido, esse alguem creio seja eu e não tu... Porque, há alguns dias atrás, tomei conhecimento do conteúdo da tua amável carta, através de comunicação telefônica do Anysio lá de Jaguarão e, inobstante, preferi aguardar que chegasse às minhas mãos esta peça escrita de teu próprio punho para ler, reler e sentir as tuas palavras que sempre me soaram mágicas e inesquecíveis... E até agora ainda estou relendo-a e constatando nesta tua tranquila humildade toda a grandeza, toda a sabedoria do teu espírito generoso que se constrange e se encerra no anonimato da sublime missão que tão bem soubestes exercer com amor e despreendimento como a grande educadora que tens sido em toda a tua abnegada existência.
Talvez não faças idéia, porém, eu te digo convicto: não só na nossa querida Jaguarão, mas também nos mais diversos recantos deste imenso mundo de Deus, existem aos montes pessoas que como eu sabem o quanto são SIGNIFICATIVAS e IMPORTANTES as recordações de uma BRILHANTE professora chamada Delícia e de um castelhano NOBRE E CULTO chamado Dom Guadil!
De minha parte, eu lamento não tenha sido mais quantitativo o convívio que tive com a tua adorável família, porém, me conformo com o qualitativo que pude usufruir e que me marcou profundamente através dos ensinamentos colhidos, os quais considero pilares básicos da minha formação pessoal.
E tu me dizes que gostarias de identificar a Abel Kaur, este sujeitinho imprevisível que me assiste na imaginação e que achou por bem me fazer instrumento seu na intenção de transpor, no espaço e no tempo, fatos premeditados pelos cenários e personagens idealizados coerentemente como peças ajustadas de um quebra-cabeças. Nem mesmo eu consigo reconhecer este alterego que me transcende a individualidade como um ser ideal integrante da nossa mente cósmica, pois Kaur se faz interlocutor de todos aqueles que te (e a Guadil) são gratos e assim sente-se como resultante de todos aqueles que te (e a Guadil) amam e que nunca te (e a Guadil) esqueceram...
Talvez todos nós tenhamos sido um desses quantos rafaéis perambulam pelo mundo, à procura de u'a mão amiga que se lhes estenda e de uma palavra confortadora na hora precisa, gestos característicos teus e de Guadil, pessoas de espírito jóvem, de diálogo fluente e espontâneo, no colóquio fraterno que a presença de vocês inspirava a todos nós, moços atentos naquelas inolvidáveis lições de vivência humana.
Perdoa-me, Delícia minha mestra, se - creio - cada um de nós quisesse dedicar a ti (e a Guadil) o que Kaur dedicou.

sábado, 20 de dezembro de 2008

Um compromisso para o Natal (III)

(continuação)
O Castelhano sentiu que tinha diante de si um confidente confiável e, por isso, resolveu se identificar:
- Mi nombre es Rafael. Hacía compañía a mi madre desde el dia que mi padre desapareció como ativista político, a decir verdad que algunos no gustabales escuchar... Dejé mi madre solita por hallar que aburro su vida... Y además también mi novia me despreció diciendo que soy ocioso, no haciendo nada para que merescala...
- Mas tu hás de convir comigo, Rafael, a razão não está do teu lado. Abandonando a tua mãe, a deixastes desesperada... Talvez, neste momento, esteja ansiosa por saber notícias tuas, E eu não acredito que sejas um desocupado, a não ser por falta de vontade. Tens o bem maior que o Senhor te legou – a tua juventude, a tua vitalidade! Vais me dizer que não tens alguma habilidade que te valorize?
- _Esto es verdad, Coronel! Yo soy maestro instrumentista, gustame tocar la flauta dulce... Hace poço tiempo, ganaba unos trocaditos enseñando música a quien tênía interés em esto, pero, era tan poço que juzgaba no valer la pena continuarlo...
- E isto já é alguma coisa, Rafael! É um dom divino que poucos tem a oportunidade de desenvolver. Assim, poderias ajudar a tua mãe e, quem sabe, motivar a reconquista do respeito da tua amada, a quem não conheço, mas me parece deve gostar muito de ti e apenas te rejeitou para que reagisses, para que desses um jeito na tua vida...
- Ella llamase Leila, es mui hermosa como brasileña buena que es... Atraeme sobremanera por serlo cariñosa y sincera, Muy culta, destacase en su profesión – professora como vosotros decís. Es um suplício para mi estar acá a recordarla...
- E que estás esperando, meu rapaz? Não perde mais o teu tempo que é precioso e volta logo para tua casa, para os braços da tua mãe que te esperam abertos e ansiosos para te abraçar...
- _Sabe, Coronel? Hace três dias que acá estoy y la primera persona que comigo habla es Usted. Y esto hacíame uma falta imensa. Tênía un gran deseo que cualquiera de esas personas a cruzar insensibles a mi dolor dijiesenme lo que Usted diceme. Sientome otro y eso animame a proponerlo - _aceptar mi compromiso de volver a encontrarnos en el dia de NAVIDAD! Jurole por la gracia de Diós, acá estaremos Leila y yo Rafael para saludarlo com afecto y la gratitud de mi madre. Marque la hora, por favor, _las nueve en punto!
O castelhano barbicha já estava erguido e se afastava a passos largos circundando aquele degrau, passando ao lado direito da Igreja e tomando rumo lá para as bandas da Ponte Internacional, enquanto o Coronel se deixava ficar emocionado naquele terceiro patamar, a refletir na sua significação religiosa – se é difícil entender o sofrimento, mais difícil ainda é aceitá-lo, mas é o preço a ser pago pela salvação do homem.
Dedicado à professora Delícia Ramis Bittencourt e in memoriam a Guadil Bittencourt - mestres das letras e da solidariedade, aos quais sempre vislumbramos no horizonte da lembrança (conforme publicação no Jornal A Folha, de Jaguarão, em 24/12/1985).

Um compromisso para o Natal (II)

(continuação)
Pela calçada da esquerda, caminhava o velho Coronel, cabeça erguida, os cabelos grisalhos, seu insistente porte marcial apesar dos anos de reforma compulsória. Ainda tinha tão perto de si todo um passado de estudos e atividades da caserna memorável – táticas, estratégias, manobras, apoios logísticos, colunas em deslocamento – do qual buscava se esquivar, dedicando-se a gratificantes causas comunitárias e até se tornando um personagem místico naquele seu afã de se comunicar com o Senhor nas oportunidades que lhe surgiam de ajudar os infelizes e necessitados. Seus braços movimentavam-se acompanhando exatos o ritmo de suas passadas e assim se aproximava daquele local onde havia divisado o moço solitário e encolhido em posição fetal.
Então levou os dedos à altura do coração, por dentro do sóbrio casaco paisano, dali tirando discretamente a carteira que abriu para separar uma das notas ali depositadas; a seguir, fechou-a e a recolocou no devido lugar. Foi-se acercando e parou na frente daquele tipo estranho, postando-se com a perna esquerda apoiada no segundo degrau enquanto a direita acomodava-se no terceiro da escadaria. Aí estendeu aquela mão na qual estava a cédula separada, oferecendo-a como óbolo desinteressado àquele seu irmão decaído. Porém, este insistia em não tomar conhecimento da presença do Coronel, imóvel, o queixo apoiado nos joelhos que se encontravam colocados naquela incômoda postura.
- Como é, meu filho, não vai aceitar? – o Coronel achou esquisita aquela atitude e se ia dispondo a prosseguir na sua escalada rotineira, quando percebeu o jovem a murmurar naquele seu linguajar fronteiriço:
- Mi caso no resuelvese por la plata...
Mas como estavam os dois situados naquele degrau que significava, de acordo com a tradição popular, a Terceira Estação da Via Sacra, punham-se ambos a refletir inconscientemente sem que um soubesse do que o outro estava a pensar – É melhor padecer se Deus assim o quiser, por fazer o bem, do que por fazer o mal (1 Pd, 3, 17). Daí o Coronel resolveu retomar o diálogo:
- Não faz mal, filho meu, não era minha intenção te ofender...
Neste momento, o barbicha soltou sua perna direita, esticando-a ao longo, com o que se permitiu a mão destra se fizesse segurar na soleira do patamar enquanto a outra perna, ainda encolhida, passava a servir de apoio ao braço que se distendera. Ergueu sua cabeça de modo a fitar aquele interlocutor desconhecido, de forma arrogante:
- Pero, dígame, _quien es Usted para que tenga algún interes por mi que nada estoyle a pedir?
O Coronel começou a sentir-se importuno, mas compensado na sua tentativa de querer apoiar desinteressadamente o irmão desassistido e, por esse motivo, não se fez de rogado em levar adiante aquele quebra-gelo:
- Sou Coronel do Exército reformado. Tenho tudo de bom que Deus me proporcionou – minha esposa, meus filhos casados, meus netos maravilhosos... E condói-me ver a ti, meu filho, nessa lastimável situação.
(continua)

Um compromisso para o Natal (I)

Aquele imenso Largo ocupava quase que um quarteirão inteiro, deixando à mostra o calçamento de pedrinhas irregulares a se alternarem no preto e branco de suas formas assimétricas. Completamente vazio, era um espaço aberto por onde corria solto o ventinho fresco das tardes primaveris. Mas se aquecia, até mesmo nas noites hibernais, com o calor humano das multidões que se concentravam nas festas cívicas ou nas quermesses paroquiais ou nos comícios inflamados onde o verbo dos políticos demagogos fazia-se ecoar nos seus quatro cantos, quatro pontos cardeais. Vez que outra, como querendo libertar-se de grilhões imaginários, as coloridas bandeiras agitavam-se quais pétalas nos cimos das hastes finas que eram aqueles três mastros a subirem eretos e plantados ali, bem no meio, no canteiro retangular de um solitário pedestal...
Em frente, situava-se a praça arborizada a contrastar no seu verde natural encravado naquele recanto tão urbano quanto a alvenaria do casario antigo e os paralelepípedos das ruas que delimitavam o seu contorno. Como que guarnecida por esta fiel companhia, avistava-se ao fundo a igreja centenária destacando-se no seu porte majestoso que as grossas paredes de tijolo assentado no barro teimavam em torná-lo imperecível. Até chegar-se às suas pesadas portas – tão altas que pareciam destinadas a dar passagem a um cortejo de gentes descomunais tal o tamanho da fé que consigo carregavam – ascendia-se por uma escadaria de patamares sobrepostos, quinze degraus para ser mais exato, que se dizia representarem cada qual uma das Estações da Via Sacra...
E quem frontalmente a contemplasse, sentado num dos bancos da praça, perceberia bem nítido de cada lado da nave central as duas torres a subirem altaneiras sustentando cada uma o seu campanário onde repicavam plangentes os sinos, as suas ondas sonoras propagando-se na distância indefinida. Veria ainda em cada uma das torres, a certa altura, dois painéis quadrados – no da esquerda, os ponteiros de um relógio a marcarem precisos as horas do tempo presente e, no da direita, a brancura característica da eternidade...
O sol que costumava cair por detrás da Igreja, tinha deixado de espalhar os seus raios sobre a escadaria sacra e, à esquerda, já se instalara no degrau do terceiro patamar – justo aquele que se pretendia representar quando Jesus cai pela primeira vez – um jovem de fisionomia parada, olhar fixo num ponto qualquer da praça à sua frente. Suas costas apoiavam-se na parede fria da fachada da Igreja, os calcanhares tocando as nádegas, enquanto as suas pernas mantinham-se dobradas e amarradas pelos braços que as circundavam em volta, as mãos enlaçadas nos pulsos contrários. Suas vestes amarrotadas, desbotadas e encardidas – calças jeans, camiseta de física, túnica militar e tênis rotos e sujos – combinavam-se com a espessa barba que lhe escondia o semblante triste e desencantado.
(continua)

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Vai firme, Grande Chefe Annuseck!

Creio que o tema já tenha sido – técnica e didaticamente – abordado pelo conceituado radialista Edemar Annuseck, em sua série de comentários sobre a grave situação da rádio AM no Brasil. Nesses comentários, ele tem colocado a terceirização e o aluguel de espaço como efeitos danosos nas programações atuais das emissoras pela ganância de seus proprietários, apenas detentores de concessões de um bem público, que deixam de assumir a sua grande responsabilidade social. Entre outras questões, ele nos acena com a possibilidade de nossas emissoras oferecerem programações diferenciadas numa mesma freqüência devido à implantação do rádio digital. Assim o ouvinte teria oportunidade de optar, ao mesmo tempo, através dos canais de comunicação disponíveis pelo programa que mais atendesse a seu gosto – musical, esporte, jornalismo ou cultural. É bem verdade que, com o advento da televisão, o rádio tem perdido bastante da sua importância como meio de comunicação social e se tornado um alvo fácil para os aproveitadores de ocasião, ainda mais favorecido pelas benesses do poder político. A pergunta ainda permanece gritante no ar: o que foi feito de concreto até agora para que o nosso Rádio se adaptasse aos novos tempos? Aqui em Porto Alegre é voz corrente dizer-se que as nossas principais emissoras costumam basear suas programações no binômio Jornalismo & Esporte. Como exemplo, cito o encerramento das jornadas esportivas prolongando-se por mais de três horas e roubando espaço nobre de qualquer programação mais voltada ao entretenimento e à cultura. Os índices de audiência estão aí, apontando picos inesperados nas noites de sábados e nas manhãs de domingo, justamente naqueles dias não contemplados com o esporte. Recentemente, o professor catedrático em comunicações de Florianópolis-SC, Ricardo Medeiros, passou-nos a infausta notícia de que morre o rádio-teatro em Porto Alegre, através da comunicação de Mirna Spritzer, professora de interpretação teatral e responsável pelo espaço O Rádio é o Palco, da Rádio FM Cultura de Porto Alegre, que esteve no ar durante 9 anos. Exemplo típico de uma programação que vinha sendo apresentada por uma emissora estatal que não teve condições de dar continuidade a uma excelente formatação da arte radiofônica, devido ao corte de gastos públicos executado pelo governo estadual. Quer dizer: aquilo que as nossas rádios comerciais poderiam levar a seus ouvintes como alternativa de entretenimento, escamoteava-se em algum nicho do dial sem qualquer divulgação e interesse da nossa mídia de levar ao conhecimento do público em geral. Encerro essas considerações, sublinhando as palavras de Edemar Annuseck – rádio se faz com profissionais na Direção Artística, na Publicidade, no Jornalismo, no Esporte, na Programação e no Microfone.
O locutor esportivo Edemar Annuseck (foto), já está de malas prontas e retorna à cidade de São Paulo, onde fez grande sucesso nos anos 70 e 80 na Rádio Jovem Pan (AM 620 kHz).Desta vez o destino do famoso locutor esportivo é a Rádio Record (AM 1.000 kHz - São Paulo/SP). A partir de janeiro de 2009, Edemar Annuseck passará a integrar a equipe de esportes da emissora. A informação veio através de uma conversa com o próprio Edemar, que nos contou em primeira mão a novidade. Desejamos bom retorno!!!
(in Bastidores do Rádio, de 18/11/2008)