domingo, 12 de julho de 2009

DA INSÔNIA À INSÂNIA

Sala pequena, apenas duas janelas e uma porta, mais escritório do que moradia. Corredor longo, banheiro coletivo no fundo. Haviam de ser disciplinadas as necessidades, também coletivas. Mesa de estudos junto às janelas, em frente à porta. Iluminação incidente pela direita, sem atrapalhar a escrita, de canhoto. Ao lado da cama, o criado-mudo. Em cima deste, o rádio tipo capela. Luz precária, tentava ler, o sono não vinha. Um copo de leite quente, sugeria, para acalmar. Calça e blusa sobre o pijama, de chinelos mesmo, trespassava a porta. Ali perto, dezoito degraus num só lance, do segundo ao primeiro pavimento, e mais vinte e dois até o térreo. Do lado de fora, encostava o portal, voltaria em seguida. Avenida movimentada, veículos nervosos. Na outra margem, salão iluminado, aglomeração de mesas e cadeiras. Atravessava esquivo a corrente para chegar ao balcão. Estranho entre notívagos que se admiravam quando pedia bebida incomum. Trocando calorias, pelo esôfago, entranhava-se o líquido aveludado. Degustava demorado, como se quisesse repartir a noite com os outros. Um tempo arrastado, pagava a conta, virava as costas. Ao cruzar a via, a provocação de novo. A porta do edifício, alguém a trancou. Esperar até quando? Amanhecer nesse mundo, jamais. A vidraça quebraria para puxar o trinco, por dentro. Na esquina, a viatura policial. Um arrombador poderiam julgar. Um plano simples, assumiria a responsabilidade, de manhã chamaria o vidraceiro, acertaria o prejuízo, não dormiria na rua. Se fosse assim, dos guardas nada a opor. Um tijolo maciço haveria de encontrar por ali. De mão, o apararia. Frontalmente, faltaria impulso, melhor enviesado, só dar uma corridinha. Dardo retangular numa desajeitada trajetória, a coreografia se esboçaria ante o olhar fixo. Saindo de comprimento, se atravessaria na largura, ficando de pé, o aríete se esforçaria por cair suave e não se esfarelar no solo. Em vão a súplica da vidraça, já determinado pelo instinto, mesmo por que não conseguiria adormecer.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

ECOMANIA: QUEM SE HABILITA?

Não sei se existe alguma coisa que me causa mais aversão do que saco plástico. Se não me engano, comecei a detestar esse troço desde que um motorista de táxi resolveu me cobrar certa quantia a cada sacola carregada, resultando no total uma apreciável percentagem sobre o valor da corrida. Protestei e ainda fui reclamar no supermercado que exagerava no número de sacos fornecidos para o transporte das compras – uns vinte, cujo conteúdo poderia ser perfeitamente acondicionado na terça parte dos mesmos. Das duas a uma: ou o empacotador tinha combinação com o taxista ou a administração do supermercado não fazia valer o direito de serem mais bem atendidos os seus clientes no ponto encostado ao estabelecimento.
Depois de acontecido o fato, passei a gastar certo tempo eu mesmo esvaziando em pleno supermercado as sacolas com as compras para depois acondicioná-las em número menor de sacos, descartando o excedente. Então me lembrava daqueles tempos em que eram usados sacos de papel – os únicos que param em pé – com um aproveitamento considerável de cada unidade, o que facilitava bem mais o transporte das compras. Porém, esse produto não se prestava para o seu reaproveitamento no descarte do lixo. E as famigeradas sacolinhas voltam de novo a desempenhar o seu papel de péssima utilização quando dificultam o trabalho de quem recolhe os resíduos domésticos – onde cabem uns dois ou três quilos, colocam-se algumas gramas.
Vai daí que me vem à memória aquelas caminhadas que fazia com o saudoso colega Ruy Firmino, quando encerrávamos o expediente no BRDE e nos dirigíamos tagarelando rumo ao Menino Deus. O Ruy era um sujeitinho esbelto, metódico, que detestava fazer volume nos bolsos, só levava a carteira de identidade, procurando sempre manter as mãos livres dessas tralhas tipo pastas ou leva-tudo. Mas ele não deixava de marcar o seu ponto nas bancas de frutas e verduras ali na Praça XV e, nessas ocasiões, ele sacava d’algibeira um saquinho dobrado simetricamente, onde acomodava as hortaliças frescas para o consumo da família. Até nisso, ele me parecia uma pessoa diferenciada e cuidadosa com a sua postura, dispensando o excesso de bolsas plásticas.
E a coleta seletiva? Lixo seco. Lixo limpo. Lixo inorgânico. Tudo certinho como manda o figurino no dia e local determinado. Vivia de bronca com os catadores. Eles chegavam antes do coletor e nem se importavam em descartar o plástico em plena via pública. Aí saquei qual era a deles – virei fiscal do lixo – e passei a guardar o plástico numa sacola separada, juntando papel, lata e vidro a parte, pois eram os materiais mais comercializáveis para os distintos especialistas. Aprendi então que, até para os excluídos, o plástico representa um valor irrisório em função do seu baixo peso específico. Traduzindo-se assim num alto custo-benefício a sua não reciclagem face às árduas conseqüências desde limpeza urbana até agressão ao meio ambiente.
Hoje em dia, fala-se muito na alta taxação daqueles produtos nocivos à saúde pública tais como o fumo e o álcool, apesar de que – limitante este fator – o poder público não só concede incentivos à produção dos mesmos sob a justificativa do grande potencial de arrecadar impostos e gerar empregos dessas indústrias, como também se omite ao não considerar os gastos da previdência social com o tratamento dos viciados. E ainda tem a escalada nefasta da fabricação de veículos automotores, de indiscutível capacidade poluidora. Eis por que precisamos entender como ainda não se onera substancialmente a comercialização dos sacos plásticos e, por outro lado, não se estimula através de medidas efetivas às empresas que operam com o reaproveitamento desse material. Mas não é necessário apoiar quem importa lixo da Inglaterra ou da Cochinchina...