sexta-feira, 23 de maio de 2008

Este é beletrista no traço e no texto!

Quantas pessoas não se vêem em dificuldade para ler uma receita médica?
Não sei por que aqueles que tratam da saúde de seus pacientes, com raríssimas exceções, fazem questão de se tornarem ininteligíveis com os seus garranchos hieroglíficos, apenas decifrados pelos farmacêuticos, tantas vezes testados nesses exercícios do mais puro sadismo.
É bem verdade que já se perderam na poeira do tempo aqueles cadernos de linha dupla em que os alunos do primário eram ensinados a aprimorar sua caligrafia.
Uma assinatura, então nem se fala, quanto mais rebuscada mais difícil torna-se de ser falsificada e a sua autenticidade apenas pode ser comprovada por peritos em grafologia.
Há pouco tempo atrás, era moda de se contratar algum calígrafo, principalmente aqueles especializados no gótico, para fazer endereçamento de convites sociais, tais como aniversário, casamento ou formatura.
E ai de quem caprichasse na sua letra do dia-a-dia; caia logo nas graças dos menos aquinhoados na arte da escrita, sendo muito requisitados e até remunerados para apor o seu talento no branco dos envelopes.
Da minha observação habitual, considero sem dúvida alguma a classe dos arquitetos, em sua esmagadora maioria, como os profissionais mais bem dotados nesse difícil mister, seja por que tenham de dominar o traço do desenho artístico em seus projetos, seja por que a estética se encontra latente na sua natural sensibilidade.
Pois essa impressão inesperada vem de me colher em cheio, quando recebo um grande envelope branco, onde se nota um cuidado desmesurado na disposição e alinhamento das letras artisticamente elaboradas ao redigir destinatário e remetente.
Custei para decidir em desvendar aquela obra de arte com o mínimo danificado, após o que constatei o seu conteúdo naquele álbum-revista Elite, estampado na capa a lindíssima cantora Maria Rita, todo recheado de ilustrações e textos de extremo bom gosto, entre os quais Sem-Cerimônia Num Adeus, crônica assinada por AGUINALDO LOYO BECHELLI, este novo amigo virtual que a Providência acaba de me dispor.
Administrador de empresas, cronista de costumes, poeta, percussionista, embora não o conhecesse pessoalmente, já tinha ouvido falar a seu respeito através de amigos comuns, entre eles os saudosos Jessé Silva e Jorge Costa, e assim apressei-me em agradecer-lhe a prestimosa lembrança, enaltecendo as suas qualidades – entre outras tantas – de emérito calígrafo.
E o Aguinaldo me responde, dizendo que nunca tinha estudado caligrafia, atribuindo essa letra bonita ao fato de tanto tomar sopa de letrinhas na sua infância, quando o vizinho da casa da frente, seu Aníbal, era representante de conceituado pastifício e vivia presenteando seus familiares com pacotes de uma massa com letrinhas de todo alfabeto – tinha até K, W e Y – nos quais vinha escrita uma quadrinha que ele achava genial e copiou no seu caderno escolar:
Guarde na memória
Ou escreva no papel,
Macarrão para ser bom,
Só sendo Santa Isabel!

sexta-feira, 16 de maio de 2008

DISCONTUS : I, II, III & IV

DISCONTUS I
Tremenda baderna na rua. Sossego perturbado, com a arma de pressão encosta meio mundo na parede.
Foi um caro custo convencê-lo: havia rendido a própria polícia.
DISCONTUS II
Audácia daquele sujeitinho querendo encabular a moça:
- Deixa o batom na bomba, não precisa limpar. No próximo mate, quero sentir o moranguinho dos teus lábios.
DISCONTUS III
Em plena discussão, um deles desafia:
- Olha bem para a minha cara e para a tua e vê qual de nós dois é mais moleque.
Deu empate.
DISCONTUS IV
Vendo os oásis proliferarem, comenta o veterano camelo:
- Acabou aquela sensação de antigamente quando se tentava adivinhar se uma miragem no deserto era falsa ou verdadeira.

sábado, 10 de maio de 2008

Assim como elas escreveriam...

Rosas vermelhas, quem disse para vocês que eu adoro?
Uma caixa de bombons, resolveram conspirar contra o meu regime?
Rádio relógio, eu sempre despertei ao clarear do dia, para quê?
Disco do Roberto Carlos, de repente todo mundo romântico?
Quanto beijo, quantos abraços, será que eu mereço?
Como se não valesse a imensa alegria que todos me têm proporcionado nesta existência?
Positivo. Aquele sorriso de felicidade com o resultado do exame médico.
O pequenino ser tomando forma e ganhando espaço dentro do meu ventre.
Enjôos, desejos, atenções inúmeras, nunca fui tão paparicada.
O enxoval, o bercinho, como dava gosto de mostrar para as amigas.
O dia chegando, a dilatação, a bolsa estourada, a corrida para a maternidade.
Menino ou menina?
Até que alguém colocava a fitinha azul ou rosa na porta do quarto.
O leite que eu tinha para dar, saciando aqueles lábios carinhosos.
A parentada entrando e saindo, para conhecer o rebento.
A cara do pai, uma gracinha.
A primeira palavra, os passos iniciais, indescritíveis emoções que vivenciei através de vocês.
Depois mais crescidinhos, as angústias da puberdade.
Brigas de namorados, problemas de escola, vinham desabafar.
Mas tudo se superava com as formaturas, os casamentos, os batisados.
A família se ramificava.
De vez em quando, vocês chegavam, voz macia, suplicando pelo bolo de fubá. o chocolate quente com nata.
Boba, derretia-me para atender cada capricho de vocês.
Conflitos, a gente esquece, nada mais gostoso do que reconciliar.
O que importa é nos sentirmos úteis para ajudar, estarmos disponíveis para o esperado conselho, enfim sempre participar da vida de vocês.
Sinceramente, não entendo essas homenagens.
Ah, ia-me esquecendo - muito obrigada.
A Mãe.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Seresteiro em estado de graça divina!

Vejam só aquele cidadão sorridente, sentado à mesa ao fundo, ensaiando uma percussãozinha no pacote que tem à mão?
Pois é, cachorro que come ovelha, só mesmo matando...
Duvido até que ele não tenha comprado ficha para dar a sua palhinha...
Seresteiro é fogo, ouve qualquer musiquinha e vai parando as orelhinhas em pé.
Os bichinhos começam a se agitar nas veias e ele logo entra em transe.
Ainda mais no Rio de Janeiro, numa feira da Urca, assistindo a apresentação de um grupo de artistas de rua, tocando chorinho.
Já nos dizia o nosso cobrão Henry Lentino (Tira Poeira) que por aqui traçava qualquer instrumento de cordas, atualmente radicado na Cidade Maravilhosa, lá se encontram aos montes, em qualquer boteco, exímios instrumentistas batalhando para conseguir o seu lugar ao sol.
E, para unir o útil ao agradável, eles passam o chapéu atrás de uma gorjeta generosa.
O chorão é geralmente um músico excepcional com domínio total do instrumento, técnica impecável, dom do improviso, sincopado típico e devotado amor à música.
Constata-se que não é egoísta - sempre incentivando o neófito – nem busca a concorrência ou o vedetismo.
O próprio choro circulando em suas veias, tem facilidade para começar a tocar e dificuldade em parar.
Nenhuma distância o impede de exercitar o seu talento – sem escolher lugar para se fazer presente, qualquer botequim ou fundo de quintal torna-se a sua ribalta.
O flagrante que registramos acima, gentilmente enviado pelo caro amigo Guilherme Braga, retrata bem esse tipo de confraternização e nos entusiasma só de ver essa gente jovem empolgada na execução da nossa mais autêntica música de raiz.
“Quanto ao choro – assim escreve o Guilherme –, pode-se dizer que ele começou como um estilo brasileiro de executar a música européia do século XIX, mais especialmente o chótis e a polca”.
"Posteriormente – prossegue –, esse estilo de execução deu origem ao tango brasileiro, com Ernesto Nazareth, evoluindo logo após para o chorinho”.
“A partir daí, com as composições do próprio Nazareth e mais Chiquinha Gonzaga, o Choro passa a constituir um gênero musical tipicamente brasileiro, uma das mais ricas expressões da nossa cultura musical, cultivada até hoje por um número cada vez maior de diversos grupos de chorões e até mesmo por importantes Clubes do Choro em diversas capitais do país” – conclui.