sábado, 27 de junho de 2015

"A VALSA DA MEDUSA" JÁ COMPLETA 25 ANOS!

UMA ABORDAGEM SOBRE ESTRUTURA E MARCAÇÃO DE PERSONAGENS

Segundo a mitologia grega, Medusa teria sido uma jovem que, por haver ofendido Minerva, foi castigada tendo seus longos e maravilhosos cabelos transformados em serpentes, o seu olhar ganhando o poder de petrificar quem os fitasse. A partir desta colocação, passamos a entender o significado do título “A Valsa da Medusa”, obra com que Valesca de Assis faz sua estreia como novelista. A medida com que o drama evolui, compreendemos perfeitamente as danças dos personagens com seus “demônios do coração”.
Enfeixado em 92 páginas e 18 capítulos, um roteiro ágil entremeado por diferentes perspectivas do narrador, essa novela logo nos conduz ao clima da ficção. A história, que cativa o leitor em seu decorrer, adquire força na reconstituição de uma época passada há quase século e meio. A riqueza dos detalhes levantados através de pesquisa séria faz-nos sentir Porto Alegre, Rio Pardo, Santa Cruz, Rio Pardinho, Faxinal, Rio de Janeiro, Brasil e Europa ganhando vida naqueles tempos. As informações são transmitidas ao atual e se aprende com gosto até mesmo a influência do regime de chuvas e ventos à navegação da Lagoa dos Patos.
A marcação dos personagens nos permite analisar a importância de cada um no contexto da novela. Tristan Waldvogel é de longe o que mais se salienta: está presente em 62 páginas (78%), além de concentrar em si mesmo o foco narrativo em 12 capítulos (onisciente coletivo, 3ª. Pessoa). É a criatura carente de vida marcada pela tragédia – “Tristan será seu nome porque nascido da minha tristeza” – que busca transferir um desconhecido afeto materno a um amor idealizado através de suas andanças como brummer querendo “completar o vazio imemorial que o impede de existir por inteiro”.
Pauline Eick é a personagem que secunda Tristan: a sua marca aparece em 42 páginas (46%) e como foco narrativo (3ª. Pessoa) nos capítulos VIII e XIV que tratam de suas confidências a Cláudia Santo Roque e de suas reflexões acerca do dilema Jacob e Tristan. Retrata-se mais a mulher determinada e sensível que se deixa influenciar pelas mandingas da amiga e guarda consigo a poção milagrosa para salvar e enfeitiçar a vida do amado.
O ritual desse amor proibido começa a ser desvendado através da indiscrição de Ingrid Marie Eick, a filha adotiva de Pauline e Jacob, explicando à sua maneira, quase um fluxo de consciência, todo o jogo de interações entre os membros de sua família. É “eu” testemunha que faz contraponto ao narrador onisciente nos capítulos II, VI, X e XVI, com crédito de 25 páginas (27%).
Um dos elementos do triângulo é Jacob, marido de Pauline, que se apresenta em 23 páginas (25%) – “um estrangeiro em seus domínios” – o homem inadaptado à sua realidade, deslocando todo o sentido da sua vida para o filho Theodore. Este, o elo capital na corrente familiar, atrai atenção de todos, a vivacidade correndo solta nas reminiscências, conforme mostram 16 páginas (17%).
Robert Ave Lallemant, médico alemão que faz amizade com Tristan durante viagem de inspeção extraoficial às colônias, e João Martinho Buff, diretor da colônia de Santa Cruz, igualam-se em participação através de 21 páginas (23%) e significam polos opostos quanto ao estabelecimento daquele personagem na região. Em 19 páginas (21%), surge a figura da avó, a Oma, com a sua forte influência de raízes e tradições, completando a formação do ambiente doméstico.
Para não alongar esta exposição, restaria ainda dizer do misticismo nativo de Cláudia Santo Roque como que mexendo este caldeirão de costumes (pasmem: 13 páginas (14%), das troças de Lise com Ingrid, das implicâncias com Catherine Ullmann “feia como um susto”, da dedicação do médico Dr. Schnapp nos momentos cruciais da vida familiar, diluídos cada qual em apenas 10 páginas (11 %).

(Publicado no jornal "A Notícia", de São Luiz Gonzaga-RS, em  22/23 de dezembro de 1990.

sábado, 20 de junho de 2015

Assis Brasil surpreendido com vistoso Festschrift

Recebi convite importante e sigiloso para participar da coletânea “Festschrift para Assis Brasil”, organizada por Valesca de Assis, Gabriela Silva, Roberto Schmitt-Prym e Rubem Penz, a qual se destinava a homenagear aquele escritor pela passagem de seu aniversário de 70 anos, além de marcar as três décadas de funcionamento de sua consagrada Oficina Literária que vem ministrando em nossa Pontifícia Universidade Católica. O lançamento desse título ocorreu dia 17 do corrente, das 19 às 21 horas, no Memorial do Ministério Público, tendo considerável afluência de público, apesar da chuva torrencial que acontecia na ocasião.

Participaram dessa obra 46 ex-alunos da “Oficina do Assis” com publicações individuais, dos quais 31 se acham relacionados na lista de 93 nomes, abrangendo 209 títulos editados, conforme consta no portal desse renomado escritor e pesquisador da arte literária. Ali também constatamos alguns nomes que já figuram em catálogos de destacadas editoras nacionais como Companhia das Letras, Objetiva, 7 Letras, Grua (SP), Record, Alfaguara (RJ), Bestiário, LP&M, Não Editora e Dublinense (RS). Deve-se ressaltar que este foi um resultado parcial daquilo que vem sendo produzido por mais de 500 estudantes que passaram nos últimos 30 anos pela supervisão do caro Mestre.
José Alberto, Valesca e Luiz Antonio (foto: Leonardo Brasiliense).

Importante que se identifique aqui todos os co-autores deste Festschrift que responderam ao chamamento para concretizar a sigilosa comemoração, a saber: Marcos Vinicius Almeida, Luiz Roberto Amabile, Mariza Baur, Carol Bensimon, Mariana Bertolucci, Amilcar Bettega, José Francisco Botelho, Roger Cardús, Laís Chaffe, Gustavo Czekster, Vitor Diel, Camila Doval, Roberto Frizero, Daniel Galera, Luiza Geisler, Celso Gutfreind, Marli Hintz, Vera Karam, Michel Laub, Fernando Mantelli, Valdomiro Martins, Carlos André Moreira, Cintia Moscovich, Fernando Neubarth, Joselma Noal, Ítalo Ogliari, Helena Ortiz, Augusto Paim, Mauro Paz, Daniel Pelizzari, Rubem Penz, Diego Petrarca, Roberto Schmitt-Prym, Monique Revillion, Caio Ritter, Paulo Scot, Vanessa Silla, Gabriela Silva, Cleci Silveira, José Alberto de Souza, Marcelo Spalding, Leila de Souza Teixeira, Helena Terra, Flávio Torres, Moema Vilela e Flávio Wild.

Tratando-se do aniversário do Professor Luiz Antônio de Assis Brasil, achei que deveria levar um presente de felicitações pela data, ocorrendo-me simbolizar o bom gosto arquitetônico de Jaguarão através da fotografia – mandei ampliar e emoldurar em singelo quadro - assinada pelo conterrâneo Lino Marques Cardoso, retratando artisticamente a fachada do nosso tradicional Clube Instrução e Recreio, a meu ver o mais belo fronral da cidade, infelizmente carecendo de uma melhor valorização local. E deixei a cargo desse homenageado descobrir algum cantinho onde pudesse apreciar as linhas clássicas desse magnífico exemplar de nosso conjunto eclético. 


sábado, 6 de junho de 2015

A TÚLIO PIVA - O EMBLEMÁTICO CENTENÁRIO


  
Ele não nasceu no morro.

Nasceu em Santiago, região da Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul. Nada a ver com samba. Mas incorporou em sua mente a poética dos morros cariocas de uma época mágica em que a pobreza das favelas era cantada de forma lírica em versos musicados, que desciam para a cidade grande aonde iam alegrar as ruas e os salões da velha Capital da República. Era o Rio Antigo, alegre, festivo e até ingênuo na forma de cantar os seus costumes. E a alma do nosso Túlio Piva foi impregnada daquele Rio de Janeiro tão diferente do de hoje.
E o que há de mais belo na obra e no pensamento do autor de Pandeiro de Prata é a sua fidelidade ao samba tradicional, ou de raiz - como se queira dizer - com comovida paixão. Em “Morro e Asfalto”, samba que Túlio gravou junto com Eneida Martins, no ano de 1977, para a antiga gravadora Chantecler, ele diz:
“Enquanto houver violão, cavaquinho e madrugada,
Uma lua no fundo da noite debruçada,
Enquanto houver um pandeiro batendo e um tamborim,
O nosso samba vai continuar assim
Histórias de morro,
Morro e asfalto,
Improviso de bambas cantando
Partido alto”.

Túlio não se conformava que o samba tivesse seu espaço ocupado por outros gêneros musicais. Que houvesse a concorrência, sim, mas nunca a substituição. Chegou até a admitir a bossa nova, quando compôs para Elis gravar “Silêncio” que dizia:

Mas para ele, a troca do samba pelo rock na programação das rádios soava como soa para qualquer cidadão brasileiro, hoje, a transformação do cenário poético dos morros cariocas em território de guerra de quadrilhas. Ou seja, o terror!
A bem da verdade, Túlio Piva também compôs outros gêneros, como sambas-canção, marchas carnavalescas, marchas-rancho, choros e até músicas tradicionalistas. Mas foi o samba a sua verdadeira identidade musical, a sua marca, com “Tem Que Ter Mulata”, o seu maior sucesso, gravado inclusive no exterior, além de “Gente da Noite”, de imensa popularidade regional, e “Pandeiro de Prata”. Este último classificado em primeiro lugar no Festival Sul Brasileiro da Canção, em 1969.
Túlio nos deixou uma vasta obra, com mais de trezentas composições. Muitas ainda inéditas para o grande público, mas que poderão ser resgatadas e conhecidas agora, graças à iniciativa de seu neto, Rodrigo Piva, talentoso compositor e intérprete, que produziu um excelente CD book intitulado “Pra Ser Samba Brasileiro”, contendo dois discos com 39 músicas gravadas, além do livro com poemas e crônicas de autoria do velho sambista.
GUILHERME BRAGA.