sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Quando passou por mim a História encilhada

O povo gaúcho saiu às ruas empunhando faixas e repetiu num coro monumental o nome de Jango Goulart.****************** Jango chegou com um sorriso irradiando otimismo.********** *********** Em Montevidéu os primeiros abraços dos amigos.
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Enquanto o vice-presidente João Goulart visitava a China, a convite do governo desse país, em Brasília, a 25/08/1961, Jânio Quadros renunciava a Presidência da República. Na época, de modo sarcástico, o povo brasileiro tinha inventado a chapa híbrida Jan-Jan, como querendo provocar a anarquia generalizada. Não deu outra. O imprevisível homem da vassoura, numa daquelas suas crises existenciais, ficou a ver fantasmas por toda parte, assustando-se com o peso da responsabilidade que lhe fora delegada através de maciça votação, e deixou a nação entregue a sanha dos aproveitadores do momento. A confusão tomou corpo com a resistência dos militares à posse de Jango na mais alta investidura republicana, impedindo até o regresso à sua pátria. Graças ao movimento da Legalidade, liderado pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, seu cunhado, foi possível a sua entrada no Brasil, via Montevidéu, chegando em Porto Alegre no dia 5 de setembro de 1961.
Na ocasião, eu cursava o 1º. ano de Engenharia da UFRGS, ficando alguns dias com as aulas suspensas, enquanto a balbúrdia corria solta em Porto Alegre e os boatos fervilhavam por todos os cantos. Pairava no ar a ameaça de bombardeio ao Palácio Piratini. O governador Brizola já tinha se entrincheirado - até instalara bateria anti-aérea na cobertura - e distribuia armas para a população resistir aos ataques malogrados, além de improvisar nos porões palacianos o estúdio confiscado da Rádio Guaíba para as retransmissões da Rede da Legalidade.
Foi um tempo de come-bebe-dorme na Pensão Familiar Ludwig, onde eu morava, localizada na rua Andrade Neves, nas proximidades do famoso mata-borrão, construção de madeira da antiga Caixa Econômica Estadual, ali na esquina com a avenida Borges de Medeiros, a qual vinha sendo utilizada como centro de alistamento de voluntários da Campanha da Legalidade. Então, uma amiga pediu-me para acompanhá-la naquele local, onde pretendia inscrever-se no corpo de enfermagem. Assim que ela concretizou o seu intento, sugeriu que eu também me alistasse; desconversei, disse que tinha muita gente, eu passava depois, terminei tirando o corpo fora. Quando saimos dali, ficamos apreciando os exercícios de órdem unida que um sargentão reformado passava para um grupo de recrutas - no meu pelotão, eu não vou admitir nenhum covarde e ai daquele que der no pé, vai ter que se haver comigo! - gritava em altos brados para conseguir ser ouvido, sobrepondo-se ao som estridente do alto-falante ali instalado que arremetia com o Hino Riograndense. Bancos fechados, peladura geral, o nosso lazer consistia em subir a ladeira da General Câmara, em direção à Praça da Matriz e se misturar com o povão que desafiava as bombas prometidas.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Relembrando a corrida do chasque

Não há lugar distante, nem vento ou chuva, frios o suficiente; não há cansaço ou obstáculos capazes de desviar um chasque de sua missão.
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15, 16 e 17/set/2005 - Jaguarão - Abertura e shows no CTG Rincão da Fronteira.
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18/set/2005 - Início do Percurso do Chasque - saída de Jaguarão às 7 horas. De Arroio Grande, às 10h10min. De Pedro Osório, às 13h30min. De Capão do Leão, às 15h50min. De Pelotas (trevo Fenadoce), às 16h10min. Chegada em Turuçu (km 484), às 18 horas, onde ocorreu a Tertúlia artística.
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19/set/2005 - saída de Turuçu, às 7 horas. De São Lourenço do Sul, às 8 horas. De Cristal, às 10 horas. De Camaquã, às 11h50min. De Tapes, às 13h40min. De Barra do Ribeiro, às 16h30min. Chegada em Guaíba às 18 horas, com Tertúlia no CTG Gomes Jardim, às 18h30min.
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20/set/2005 - Saída de Guaíba, às 5 horas, com chegada em Porto Alegre às 9 horas para desfile e entrega do chasque ao então Governador do Estado Germano Rigotto.
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O chasque é uma palavra de origem quichua (chasqui), nome dado aos mensageiros que percorriam a pé o Império Andino de um extremo a outro. Assim, diríamos que o chasque equivaleria ao ordenança no Exército e ao estafeta, muito comum no Correio, antigamente, para designar o entregador de telegramas (correções introduzidas a partir do comentário abaixo que veio esclarecer a minha dúvida, enriquecendo assim sobremaneira essa matéria). Na guerra da independência de Cuba, ficou registrado o episódio da famosa Mensagem a Garcia, entregue a um voluntário para que descobrisse o paradeiro dessa pessoa e fizesse entrega daquele recado.
Na nossa Corrida do Chasque, foram utilizados 25 cavaleiros que se revesaram a cada 15 ou 20 quilômetros, um passando ao outro, com a montaria em movimento, uma mensagem que acabou chegando às mãos do Governador Rigotto. Cada um desses rapazes vestia uma indumentária característica de diferentes épocas da história rio-grandense.
Em Jaguarão, Tucuruçu e Guaíba foi montada a mesma cobertura de lona, aberta nas laterais, que se deslocava de uma parada a outra para receber as apresentações artísticas, entre outros, dos conhecidos cantores Carlão, Régis Bardini, Hélio Ramires, Luiz Marenco e Joca Martins. Sem dúvida, uma importante iniciativa da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Jaguarão que merece ser relembrada.
Entusiasmado pela realização desse evento, dediquei à Secretária Profª. Carmem Lúcia Corrêa Passos, um canto marcial denominado Chasque Farroupilha, cuja letra foi posteriormente musicada pelo consagrado violonista Mário Barros, da qual já temos uma cópia gravada pelo cantor nativista Flávio Hansen, a espera de uma oportunidade para divulgação.
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-lo célere que passa, / intrépido cavaleiro,
o vento por companheiro, / nas patas da montaria.
Pela imensa pradaria, / escaramuças e brigas,
baitas tropas inimigas.
Na coragem sem igual, / rompe esse cerco brutal.
Para buscar os reforços, / não tem que medir esforços
de chegar a seu destino.
Esse nobre paladino, / orgulho da própria raça,
tem na boca uma mordaça, / segredos que não revela.
Ginete preso na sela, / persegue todos caminhos,
solito assim nos espinhos.
Nos entreveros cruzando, / os guascaços vai deixando.
Do perigo não se afasta, / a vida já não lhe basta,
-lo célere que passa.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

A nossa dura rotina como jornaleiros de outrora (II)

A sensação de desconforto acentuava-se à medida que progredíamos nessa tarefa, ansiosos por trocar a roupa ensopada, beber um café quente, esquentar o corpo. Eu cantava o número de cada casa; seu Cândido passava o jornal amolecido pela umidade na soleira das portas e respondia com o nome do bicho. Ele tinha a sua ilusão de acertar e despedir-se dos biscates; era simplório, mas possuía um senso de humor incomum. Assim, eu ficava observando aquela criatura que parecia derreter-se, gotas pingando do rosto vincado pelas rugas de um envelhecimento precoce, que nem o capuz do impermeável amarelo conseguia esconder. ****************************** Ruas encharcadas, o barro grudando nos pés pesados que chacoalhavam em lâminas de água. Sapos, grilos, um rádio tocando: a madrugada tinha seus ruídos. Alguma luz por detrás de um postigo encostado numa janela qualquer: por certo, um notívago assuntando entre paredes, no calor das cobertas. ********************************************************************** - Mil duzentos, cinquenta e cinco - dizia eu apontando para o armazém do Armando Costa e imaginava-me chegando mais cedo: a venda logo fecharia e o dono, aguardando o jornal, chamaria-nos para dentro, ofereceria mortadela fatiada e pedaços de pão; o apetite voraz, a saliva esgotando-se na boca, o picante de uma pimenta inesperada, o copo de vinho para não engasgar, uma vontade danada de ficar por ali, sentado nos sacos de batata, esperando a chuva passar... ********************************************************************** - Gato - berrava seu Cândido, à porta do armazém em que havia deixado o jornal, arrancando-me daquelas cismas.

A nossa dura rotina como jornaleiros de outrora (I)

Naquele sábado, eu corria que nem um louco para aprontar o jornal. A impressão andava péssima, o mecânico custava a acertar o nível do rolo na chapa. Eu ainda tentava compor alguma matéria na tipografia. O pó, na caixa dos tipos, entranhava-se em minhas narinas e eu espirrava a toda hora, mal conseguindo respirar. Meus dedos estavam encardidos com a tinta preta; não podiam coçar o nariz nem espantar as moscas. E caspa, no cabelo, comichava minha cabeça. Ali perto, debruçado na bancada, avental todo lambuzado, a careca brilhando sob o quebra-luz que pendia do teto, o velho Arcanjo resmungava por se encontrar atrasado na montagem da chapa. ********************************************** Odores fortes de tintas e suores sobrepairavam no ar. Alguém entrou na oficina, procurando-me. Sobrancelhas e bigode cerrados e negros, um porte respeitável não fosse a boca desdentada, vestia uma camiseta de lã desbotada, calça xadrez, cordão amarrando a cintura, chinelos de dedos: era seu Cândido, o engraxate da praça, que se dispunha a distribuir o jornal em troca de algum a mais, reforçando a féria do dia. ********************************************************************** Logo o prelo fazia trepidar o prédio inteiro, o rolo girando envolto no papel enquanto a chapa deslizava e voltava à posição inicial, depois de largar a folha maculada no aparador. Dobrávamos os jornais, acomodando-os dentro das bolsas. Era a primeira vez que seu Cândido fazia esse tipo de serviço; competia a mim indicar-lhe as casas em que devia proceder a entrega. Lá fora, raios e trovões, uma chuva torrencial. Era nossa obrigação atender os assinantes, apesar da precariedade dos guarda-chuvas como abrigo. *********************************************************(continua)

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

E o coqueiro ainda continua firme

Em mãos o guia Achei 80/81, ocorreu-me comparar a nominata dos assinantes da CRT na avenida Bastian, em relação à lista de endereços em 1994. Duas constatações: I - o total cresceu de 130 para 163 no período; II - apenas 60 nomes dessa última constavam da antiga lista. Assim, incluído entre estes, arroguei-me a contar histórias do logradouro. Naquela época, andei verificando que a mureta divisória entre jardim e rua, estava fora de prumo. A causa encontrei na raiz de um coqueiro plantado rente a mesma por minha sogra, logo que nos mudamos para o bairro. Então, dei-me conta do tempo decorrido, dezoito anéis subindo pelo tronco.
Quando ali chegamos, nossos filhos eram pequenos, alguém nos disse que a maioria da população dessa avenida seria de idosos, gente que já havia criado seus descendentes até a segunda geração. Realmente, os garotos enturmaram-se na vizinhança mais próxima da Baronesa de Gravataí e da Ganzo. Naquele tempo, a Baronesa - interrompida na avenida Ipiranga e continuando após a rua Marcílio Dias - era novamente bloqueada após a Bastian. Ali funcionando o coleginho Roquete Pinto, os portões abertos davam passagem aos pedestres para a avenida Ganzo; quando fechados, caminhava-se um pouco mais na volta pela rua Múcio Teixeira.
Havíamos saído da rua Jacinto Gomes, no Bonfim. Antes em nossa passagem por São Paulo e Santa Catarina, cinco endereços, em nenhum deles demoramo-nos mais de dois anos. Assim, escaldados, algumas vezes pensávamos em sair da Bastian; no entanto, os meninos sempre nos demoviam da ideia. A nossa moradia, pois, vinha se fixando numa das quatro casas em estilo colonial espanhol, geminadas duas a duas, que teriam sido sorteadas entre os ouvintes da Rádio Farroupilha, no ano de sua inauguração. Tal nos foi transmitido pelo advogado Rubens Ramos de Oliveira, um dos residentes anteriores, já falecido, que adquiriu o imóvel da contemplada Dª. Verena Selbach, filha do proprietário da extinta Livraria Selbach.
Diversas vezes, procuravam-nos interessados na aquisição de imóvel nessa avenida, os quais sempre recebiam a nossa inflexível negativa. Alguns corretores até nos falavam da adequada localização da casa para funcionamento como escritório ou consultório, fácil de encontrar comprador. O Menino Deus é um bairro próximo ao Centro, que explodiu em termos imobiliários, verticalizando-se ainda mais após a instalação do Shopping Center Praia de Belas, há tempos atrás. Já fazem seis anos que mudamos da avenida Bastian, porém, até essa data havíamos passado incólumes às pressões. As duas casas geminadas deram lugar à edificação de moderno centro profissional, onde se acham situadas várias salas para advogados atuantes nas juntas da Justiça do Trabalho próximas dali. Outro dos renitentes em abandonar a região foi a testemunha ocular do fato, o radialista Ruy Figueira, que costumava dizer, alto e bom som, para que todos o ouvissem: ainda sou comprador - se o Grupo Ipiranga ou o Banrisul estiverem à venda, podemos conversar...

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Os 50 anos da jóvem RBS na vida do cidadão comum

Adoro tomar o meu cafezinho na Arvorezinha, ali na José de Alencar esquina com Oscar Bittencourt, onde sou atendido com a camaradagem do pessoal da casa e o proverbial cumprimento do Paulão, o taxista do ponto ao lado, e sempre tenho a minha disposição o Diario Gaúcho para uma leitura dinâmica e descontraída sobre assuntos amenos, tais como futebol e as musas do Véio, detendo-me mais nas palavras cruzadas - que me acostumei a fazê-las mentalmente para não estragar o prazer dos outros - e uma olhada de relance nos quadrinhos e na piada do dia. E, nas segundas-feira, faço minha pousada direta na crônica sutil e bem humorada do meu amigo Mauro Taxitrama Castro.
Um dos meus cadernos preferidos da Zero Hora, aos sábados, é o Cultural com aquele montão de informações, algumas vezes plural, outras temático, que nos ilustra um pouco a nossa parca sabedoria. Literatura, principalmente, atrai-me sobremaneira através das mais variadas séries mostrando um panorama bastante amplo de autores e personagens das letras gaúchas.
Os colunistas estão ali como leitura obrigatória de todos aqueles que buscam algum assunto para o papo cotidiano com os amigos, entre eles o Paulo Santana que faz muita gente ler o jornal de trás para diante. Os jornais da RBS são como um buffet de restaurante - neles se encontra matéria para todos os gostos, deixando aos leitores sua livre escolha.
As donas de casa tratam dos seus afazeres domésticos sintonizadas na Farroupilha, desde o tempo do Zambiazi com as suas campanhas filantrópicas - tem algum remédio sobrando e que alguém esteja necessitando, telefona para a Rádio que eles vem buscar.
Na portaria do nosso Edifício sempre tem algum plantão na escuta dos jogos de futebol ou então ouvindo o noticiário do dia na Gaúcha que, de vez em quando, brinda a seus ouvintes com audições de boa música. O Sem Fronteiras, do Glênio Reis, é o meu programa predileto das noites de sábado que me prende em casa e só perco quando surge algum compromisso social inadiável.
Na televisão, afora as novelas, ficamos vidrados no Jornal do Almoço - as suas elegantes apresentadoras e os versáteis comentaristas são uma atração à parte. Até foi muito comentado, há tempros atrás, aquele fato pitoresco em que uma conhecida e atuante comunicadora, após anos sendo enrolada pelo namorado, compareceu certa vez ao programa vestida de noiva, pois só assim conseguia realizar o sonho da sua vida...