O primo Luiz Eduardo Fontes de Mello
Almeida, um dos coordenadores do portal de nossa árvore genealógica Family
Search, descobriu um anúncio de 1916 em que o pai de Florisbela, meu avô
José Vieira de Souza, coloca para venda ou aluguel a sua propriedade em Jaguarão,
a fim de viajar a Portugal, onde deveria se submeter a tratamento de saúde. Tal
fato me faz relembrar que aquela minha tia e mãe de criação nos contava que avó
Joaquina chegou a costurar uma cinta-bolsa na vestimenta para que ele levasse o
dinheiro necessário ao custeio de sua estada no seu país de origem.
Como não cheguei a conhecer esses meus
avós paternos José Vieira e Joaquina Teixeira de Souza, sempre foi difícil
localizar outros lugares em que tivessem vivido além daquela cocheira. Ainda
mais que pouco me despertava curiosidade em tenra idade sobre acontecimentos de
antanho, como os locais da existência daquelas privadas de fundos que eram
trocadas de tempos em tempos para decantação e secagem dos dejetos utilizados
nas plantações. Apenas ainda ouço as palavras de Dª. Florisbela ensinando os
benefícios oriundos desse reaproveitamento, a seu ver: - “Não existe melhor
adubo”.
Florisbela de Souza Resem era uma mulher
dominadora que sempre procurava colocar ordem onde se fizesse necessário, mesmo
lançando mão de algumas artimanhas. Eu que o diga, tarado por panquecas,
comendo a minha parte e cobiçando a “enrolada” dos outros comensais no almoço –
não queres mais, podes me passar a tua – nem me dava conta da sua contrariedade.
Pois não é que certo dia apresentou na mesa de refeições aquele “pratarrão” das
tão desejadas, anunciando que era só para mim e eu consumi toda aquela
oferenda... E durante algum tempo, não as podia enxergar à frente!
E não ficou só nisso meu aprendizado com
ela, sempre se esmerando naqueles tratamentos com remédios caseiros. Um deles,
preparado na chaleira com café forte, bem amargo, no qual mergulhava um tição
de brasa, para que se ingerisse como purgante. Era um filme de horror para eu
protagonizar aquela cena que se acentuava com minha rebeldia. E para atenuar
esse protesto, uma vez me trouxe uma “malzbier”, minha predileta que, nem sei
como, sorvi a garrafa todinha, degustando o líquido gota a gota, sem desconfiar
da escamoteação no conteúdo desta bebida.
A matrona Dª. Bela, em assuntos da casa,
opinava sem maiores contestações nas muitas reformas que procedeu no prédio,
alterando toda uma estrutura projetada pelos empreiteiros na planta original.
De minha parte, estranhava aquela janela de vidros e postigos na parede
divisória entre um dos quartos e o banheiro. Mais tarde, verifiquei que se
tratava de uma abertura externa, sendo aquele banheiro colocado sobre a laje num
espaço vago do pátio interno. E ainda havia alguns “hóspedes” que costumavam
espiar com leve abertura dos postigos, caçoando de minhas imperfeições
estéticas...
As paredes internas de madeira aos
poucos iam sendo desmontadas sem que se apagassem os vestígios da divisão
anterior. Os diferentes tipos de ladrilhos usados nas peças dos fundos
denunciavam os locais onde esteve funcionando cozinha, banheiro e dispensa. Tia
Florisbela dava mais ênfase ao aspecto prático do que o estético com o fim de
melhor acomodar a todos descendentes que ali buscavam se manter reunidos no
estreitamento dos laços familiares. Pouco importaria uma ostentação difícil de
ser obtida a custo de parcos recursos que eram geridos de forma conservadora e
modesta.
Dona Belinha, dona
Belinha era uma guerreira: resistiu anos a fio num tempo em que inexistiam os
apelos do consumo moderno. Estava sempre pronta a preservar a figura
carismática do “Major” Cantalício com o apoio que lhe dispensava nos bons e nos
maus momentos. Mas sobreveio a insidiosa arteriosclerose, apagando-lhe a
consciência e prostrando-a numa cama do hospital, em que se fazia acompanhar
durante todo dia por seu esposo e velho companheiro de árduas batalhas, então
impotente para lhe proporcionar uma mais digna qualidade de vida