sexta-feira, 12 de outubro de 2018

EIS AI SUBLIME EXALTAÇÃO DE SENTIMENTOS



E X P E C T A T I V A

Agora no ermo de minha solidão
Me apareces como um desejo proibido
A que busco resistir nesta tentação
Chegando de repente num tempo perdido

E fico pensando se vens cedo ou tarde
Para usufruir este ocaso de alheia vida
De maneira discreta, quase sem alarde,
Numa última oportunidade oferecida

Sem que não me reste qualquer alternativa
A compartilhar deste previsível risco
Na breve aproximação que objetiva

Não, não assopra as brasas da nossa amizade,
Pois embora escondidas nesse fogo arisco
Podem se espalhar em cinzas de ansiedade.

José Alberto de Souza
POA 12/10/2018.

domingo, 9 de setembro de 2018

COSTA FRANCO II CRONISTA SEM ENCOMENDA



MEMÓRIA DO RATINHO - Sérgio da Costa Franco

Quando me lembro das muitas coisas que ocupam minha memória dos 90 anos e que os contemporâneos mais jovens desconhecem, é inevitável que me venha a vontade de escrever. Vinte anos de crônica diária, no passado século vinte, me marcaram.
O primeiro estágio dos Costa Franco em Porto Alegre foi no bairro Menino Deus, então um arrabalde bucólico, onde restavam vastos terrenos baldios, chácaras onde se cultivavam frutíferas e hortigranjeiras, e o silêncio das noites só era quebrado periodicamente pelo ranger do bonde República. Minto. De vez em quando, para surpresa de todos, adultos e crianças, o sossego era quebrado pelos acordes do “homem da flauta”. Esse personagem andava pelas ruas do bairro com sua flauta de taquara, - instrumento artesanal com mais de metro de comprido -, onde ele assoprava melodia indefinida e creio que jamais identificada. Talvez uma valsinha antiga, tornada compatível com seu rudimentar instrumento. Houvesse público, ou não, para escutá-lo, ele parava em qualquer esquina e dava o seu recital gratuito, sem pedir propina ou qualquer espécie de retribuição.
Por muito tempo o chamávamos simplesmente de “homem da flauta”, até descobrirmos que ele era bastante conhecido no bairro como o “Ratinho”, pois outra de suas habilidades, além da música, era imitar a perseguição de um camundongo, o que fazia imitando os gritinhos de sua suposta vítima e surrando o chão com a flauta de taquara. Mas esse “show” só era dado a pedido e por insistência de seu público infantil. Quero imaginar que ainda hoje existam remanescentes desse público, certamente entre octogenários e nonagenários, pois não estou tão sozinho. Porém o bairro já não tem seu “Ratinho”. Certa padronização alcançou todo o mundo, e mesmo com o esvaziamento dos manicômios, não se encontram mais os tipos singulares eu davam pauta aos cronistas. Ou será porque não vamos mais às ruas desertas e sinistras da cidade?

COSTA FRANCO I CRONISTA SEM ENCOMENDA



O PRESTÍGIO DA ORLA - Sérgio da Costa Franco

     Era usual falar-se em “beira do Guaíba” ou ”margem do Guaíba”, como os demais rios, arroios ou lagos da província. E a “beira” era tão popular que até serviu para denominar o estádio do Internacional, construído em terreno generosamente doado pela Prefeitura de Porto Alegre: o Beira-Rio, sem mais retoques. Mas eis que o Município resolveu enfeitar e reurbanizar um trecho de sua popular “Avenida Beira Rio”, oficialmente rotulada de “Edvaldo Pereira Paiva”, desde o tempo do Prefeito Alceu Collares que a construiu e inaugurou.  O importante eixo viário que desafogou o tráfego para a Zona Sul não foi tão celebrado e homenageado como vem sendo agora esse pequeno trecho, que ganhou alguns melhoramentos e enfeites, no espaço entre a Usina Elétrica (erradamente chamada de usina do Gasômetro) e o monumento das cuias, também conhecido como “monumento das tetas”. Os veículos de comunicação ou os próprios órgãos da Prefeitura, ou fosse lá quem fosse, desde logo começaram a falar num projeto de revitalização da ORLA do Guaíba. Não era a beira do Guaíba, nem a margem do Guaíba. Era a ORLA. Mesmo que o termo não fosse de uso corrente e que o povão falasse habitualmente em BEIRA do rio, como já falara outrora em “Rua da MARGEM”, para referir-se à margem do arroio Dilúvio. E tanto se bateu na tecla da ORLA, que esse termo deixou de ser substantivo comum, para se tornar em Porto Alegre um nome próprio, merecedor até de inicial maiúscula. Dias atrás uma pessoa me perguntou se eu já tinha visitado a Orla. Sem me dizer orla de onde ou orla de quê.
     Os especialistas em Linguística poderão esclarecer se esse prestígio súbito de certas palavras pode acontecer e porquê. E foi forçoso que me lembrasse dos ACRÍDEOS. Foi isso lá pela década de 1940. Houve em Porto Alegre e arredores uma praga de gafanhotos, que devastou hortas e jardins, tomando vulto na pauta dos jornais da época. E meus colegas da imprensa, no louvável anseio de enriquecer cientificamente seus textos, consultaram especialistas em insetos e descobriram que o popular gafanhoto pertence à família zoológica dos acrídeos. E, de uma hora para outra, não se falou mais em gafanhotos, mas em acrídeos. Os acrídeos atacavam em Viamão e Gravataí; nuvens de acrídeos aterrorizavam Belém Novo e Vila Nova. E tal foi a popularização dos acrídeos que, no primeiro Carnaval, um grande bloco, creio que da Baronesa ou do Partenon, intitulou-se “Acrídeos do samba” e desfilou no Centro com o estandarte de um vistoso gafanhotão. Era a entomologia triunfante, saindo das academias e ganhando as ruas... A ORLA ganhou prestígio semelhante aos acrídeos.

sábado, 10 de março de 2018

* Em 11/mar/2018 - PARABENS, JACQUELINE! *



Caríssimo amigo,
És testemunha do sonho do Garoeiro de publicar 2.022 poemas em 2022, no centenário de dona Odette, sua mãe. Infelizmente, hoje, o destino a levou!
Como de Natal-RN até Bauru-SP o passo é enorme, não poderei estar lá, na despedida...
O que acarreta mudança na programação do Reblog do Poeta Garoeiro, onde constava o nosso vídeo "Parabéns, Jacqueline!", como você sabe.
Assim sendo, repasso, aqui, a você o link do Youtube onde acabo de gravar aquele nosso vídeo para a Jacqueline, que é para você postar no Blog do Poeta das Águas Doces, entre hoje e amanhã, para ser fiel à data, 11 de março.
Abraço,
Garoeiro

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

*CRÔNICAS DE CANTALÍCIO E FLORISBELA (II)

O primo Luiz Eduardo Fontes de Mello Almeida, um dos coordenadores do portal de nossa árvore genealógica Family Search, descobriu um anúncio de 1916 em que o pai de Florisbela, meu avô José Vieira de Souza, coloca para venda ou aluguel a sua propriedade em Jaguarão, a fim de viajar a Portugal, onde deveria se submeter a tratamento de saúde. Tal fato me faz relembrar que aquela minha tia e mãe de criação nos contava que avó Joaquina chegou a costurar uma cinta-bolsa na vestimenta para que ele levasse o dinheiro necessário ao custeio de sua estada no seu país de origem.
Como não cheguei a conhecer esses meus avós paternos José Vieira e Joaquina Teixeira de Souza, sempre foi difícil localizar outros lugares em que tivessem vivido além daquela cocheira. Ainda mais que pouco me despertava curiosidade em tenra idade sobre acontecimentos de antanho, como os locais da existência daquelas privadas de fundos que eram trocadas de tempos em tempos para decantação e secagem dos dejetos utilizados nas plantações. Apenas ainda ouço as palavras de Dª. Florisbela ensinando os benefícios oriundos desse reaproveitamento, a seu ver: - “Não existe melhor adubo”.
Florisbela de Souza Resem era uma mulher dominadora que sempre procurava colocar ordem onde se fizesse necessário, mesmo lançando mão de algumas artimanhas. Eu que o diga, tarado por panquecas, comendo a minha parte e cobiçando a “enrolada” dos outros comensais no almoço – não queres mais, podes me passar a tua – nem me dava conta da sua contrariedade. Pois não é que certo dia apresentou na mesa de refeições aquele “pratarrão” das tão desejadas, anunciando que era só para mim e eu consumi toda aquela oferenda... E durante algum tempo, não as podia enxergar à frente!
E não ficou só nisso meu aprendizado com ela, sempre se esmerando naqueles tratamentos com remédios caseiros. Um deles, preparado na chaleira com café forte, bem amargo, no qual mergulhava um tição de brasa, para que se ingerisse como purgante. Era um filme de horror para eu protagonizar aquela cena que se acentuava com minha rebeldia. E para atenuar esse protesto, uma vez me trouxe uma “malzbier”, minha predileta que, nem sei como, sorvi a garrafa todinha, degustando o líquido gota a gota, sem desconfiar da escamoteação no conteúdo desta bebida.
A matrona Dª. Bela, em assuntos da casa, opinava sem maiores contestações nas muitas reformas que procedeu no prédio, alterando toda uma estrutura projetada pelos empreiteiros na planta original. De minha parte, estranhava aquela janela de vidros e postigos na parede divisória entre um dos quartos e o banheiro. Mais tarde, verifiquei que se tratava de uma abertura externa, sendo aquele banheiro colocado sobre a laje num espaço vago do pátio interno. E ainda havia alguns “hóspedes” que costumavam espiar com leve abertura dos postigos, caçoando de minhas imperfeições estéticas...
As paredes internas de madeira aos poucos iam sendo desmontadas sem que se apagassem os vestígios da divisão anterior. Os diferentes tipos de ladrilhos usados nas peças dos fundos denunciavam os locais onde esteve funcionando cozinha, banheiro e dispensa. Tia Florisbela dava mais ênfase ao aspecto prático do que o estético com o fim de melhor acomodar a todos descendentes que ali buscavam se manter reunidos no estreitamento dos laços familiares. Pouco importaria uma ostentação difícil de ser obtida a custo de parcos recursos que eram geridos de forma conservadora e modesta. 
Dona Belinha, dona Belinha era uma guerreira: resistiu anos a fio num tempo em que inexistiam os apelos do consumo moderno. Estava sempre pronta a preservar a figura carismática do “Major” Cantalício com o apoio que lhe dispensava nos bons e nos maus momentos. Mas sobreveio a insidiosa arteriosclerose, apagando-lhe a consciência e prostrando-a numa cama do hospital, em que se fazia acompanhar durante todo dia por seu esposo e velho companheiro de árduas batalhas, então impotente para lhe proporcionar uma mais digna qualidade de vida

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

CRÔNICAS DE *CANTALÍCIO & FLORISBELA* (I)


O Poeta Garoeiro, de Natal-RN, intima-me para que escreva as “Crônicas de Cantalício e Florisbela”, impressionado com os relatos do saudoso Pedro Leite Villas Boas ao grande Mário Quintana, na única ocasião em que o encontrei no arquivo do Correio Povo e fui apresentado por aquele bibliófilo nosso conterrâneo. Então Pedro falou dos seus tempos de encadernador na tipografia de “A Miscelânea” e Quintana escutava com especial atenção o desempenho de minha tia e mãe de criação Florisbela de Souza Resem, esposa de Cantalício, em suas lides domésticas e comerciais.
Naquele tempo, Cantalício Resem foi designado por Carlos Barbosa, conterrâneo então Presidente do Estado do Rio Grande do Sul, a assumir funções como Juiz Distrital em Jaguarão, não obstante a suas desculpas de que não se encontrava preparado para exercer esse cargo. Sem outra opção, teve de se valer de uma alentada biblioteca jurídica, a que sempre recorria varando madrugadas no estudo dos autos de julgamento. Sem uma conclusão definitiva, muitas vezes vencido pelo cansaço, decidia-se por sua consciência para emitir o parecer final.
E esses pareceres chegaram a se tornar jurisprudência nos tribunais, motivo de grande admiração de muitos juristas da Capital, como os desembargadores Nésio Miranda e Celso Afonso Pereira que sempre o visitavam em suas passagens por Jaguarão. Ai também esteve o conceituado causídico Felipe Machado Carrion, também diretor do Colégio Estadual Júlio Castilhos na época em que lá estudei, que fez questão de conhecer aquele juiz cujas opiniões legais eram objeto de consultas por vários de seus colegas para firmarem posição na defesa ou na acusação de réus em julgamento.
Florisbela preservava-o de forma a nunca comprometê-lo com qualquer deslize, esmerando-se na recepção dos visitantes que não se cansavam de elogiar sua famosa sopa de entrada nos almoços. Aliás, minha prima Graciema Resem da Silveira costumava dizer que Florisbela era uma pessoa sábia que se fazia calada sem se intrometer nos assuntos a que não era chamada, evitando qualquer impertinência. A sala de jantar do sobrado em que residiam, parecia um templo ornamentado pela cultura daqueles que tiveram o privilégio de lá desfilarem seus conhecimentos.
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Douglas Marcelo Rambor, parceiro e grande pesquisador sobre o futebol gaúcho, revela-me a faceta de “desportistas” do casal, enviando a correspondência – acima ilustrada - que comunica a eleição em 07/Jul./1905 de uma das Diretorias da Sociedade F.B.Sport Jagurense, provavelmente a primeira entidade esportiva da cidade, constando o nome de Cantalício Resem como 2º secretário dessa agremiação. Entre seus familiares era conhecida a ojeriza que passou a nutrir pelo esporte bretão desde que constatou a péssima habilidade de seus conterrâneos no trato com a bola.
Este fato teve origem a partir do momento em que assistiu a uma partida de futebol contra marinheiros de um navio inglês ancorado no porto de Rio Grande, apresentando um verdadeiro espetáculo de domínio da pelota no campo da peleja, não conseguindo aceitar a condição de perna-de-pau daqueles amadores de Jaguarão. Isto apesar de ter o filho Anysio que se destacava nas equipes em que participava, negando-lhe sempre o apoio de sua presença para conferir sua habilidade técnica. Até o fim de seus dias não acreditou que Jaguarão chegasse a ser um celeiro de craques.
Para dar um exemplo dessa birra, o primo Anysio contava-me da sua grande mágoa ao término de uma partida na equipe do Ipinha de Jaguarão contra um quadro de Treinta y Tres – Uruguai – em que fizera o gol da vitória e todos os pais dos atletas ipaenses invadiram o campo para abraçar seus filhos, Diz ele que teve de engolir em seco essa comemoração solitária. Florisbela também era contrária às tendências do menino Anysio em se misturar com os moleques, correndo atrás de uma bolinha nas “peladas” do Largo da Bandeira, motivo de algumas reprimendas quando chegava a casa