domingo, 20 de novembro de 2016

MUROS PARA CONTER NOSSOS "REFUGIADOS"


De repente, ele viu se ruírem vinte anos de experiência profissional, refletindo-se amargamente na própria existência como um castelo de cartas que desaba num simples assopro. Era mais um nas dezenas de milhões de desempregados brasileiros e, mesmo assim, buscava alternativas para sobreviver e contratava consultora especializada em colocação no mercado de trabalho. Explicava-me que nos dias atuais os currículos já eram direcionados às empresas de acordo com o perfil do candidato para se evitar o acúmulo de cadastros pessoais a serem examinados nas áreas de recursos humanos.
A consultora que contratara oferecia-lhe ainda oportunidades de investir suas reservas societariamente em empresas necessitadas de capital de giro, sem qualquer garantia de retorno financeiro, porém, via-se forçado a desistir pelo risco da empreitada. Chegou a elaborar um pequeno projeto de instalação de uma loja para comercializar jogos de computador, analisando detalhes envolvidos no custo benefício de um lucro razoável acima de 10% como rendimento satisfatório. E a concorrência do comércio informal dos clandestinos vendedores ambulantes impedia-o de levar adiante sua ideia.
Há pouco, surgiu-lhe oportunidade de atuar como sócio numa firma que buscava explorar em Santa Catarina colocação de máquinas de cartão de crédito no mercado local. Tudo levava a crer num investimento bem sucedido para que providenciasse sua inclusão no contrato social da empresa, além de contratar pessoal habilitado, com carteira assinada, na função de promotores de venda. Eis que, já obtendo algum retorno, compensando a representação do fabricante, este transfere seus direitos de manufatura a outro concorrente e acarreta o distrato como consequência da inviabilização do negócio.  
De maneira que hoje ele está ai, batalhando novamente para reestruturar sua carreira profissional e esperando resultados de concorridas entrevistas adequadas a seu perfil de candidato para a função ofertada. Ansioso e abalado por essa situação degradante do país, ele transfere suas expectativas para o exterior, para o Chile em particular mais próximo de sua origem, apesar de se constituir numa aventura em que necessitaria custear um longo período de adaptação e prova de capacitação até encontrar um lugar que o acolha definitivamente, com sua cidadania estrangeira assegurada.
Sempre me senti frustrado e de mãos amarradas quando algumas pessoas me solicitavam colocação para seus parentes e amigos, numa época em que não se acumulava uma grande demanda por postos de trabalho. E agora mais ainda observando essa debacle do nosso sistema social, a falta de solidariedade para com nossos “refugiados” sem qualquer perspectiva de melhoria em suas condições de vida, a ganância daqueles desprovidos de um mínimo pingo de consciência. Mas não deixo de enxergar o mérito no empreendedorismo de quem se dispõe a gerar novos empregos.
Creio-me um privilegiado chegando a um patamar difícil de ser alcançado por uma grande parte de nossa comunidade, porém, não me envergonho de minhas origens a percorrer uma trajetória de algumas conquistas a base de humildes meios de afirmação. E tenho compartilhado muito de meus ganhos com gente mais necessitada como se me exigissem um direito adquirido. Constranjo-me em dar “graças a Deus” por uma situação confortável em meio a uma multidão de miseráveis, sem um teto para se abrigar, sem recursos para se manter com dignidade como vem ocorrendo até hoje. 
Enfim estamos vivendo um tempo em que mais vale “ter” do que “ser”, em que competir se sobrepõe a cooperar, onde a corrupção ativa anda de mãos dadas com a passiva, causando grandes transtornos para nossa economia e exigindo cada vez mais o sacrifício da população mais humilde, continuamente afrontada com a ostentação de riquezas dos mais poderosos. Já é hora de ser implantada uma política de mais austeridade com melhor distribuição de renda e com uma efetiva assistência a todos os excluídos, principalmente moradores de rua, visando um objetivo de mobilidade social por meio de educação para que se libertem da apatia e do desânimo em evolução. 

domingo, 13 de novembro de 2016

O QUE APARECEU NAQUELA BOLA DE CRISTAL



São Bernardo do Campo, 11 de novembro de 1966.
Meu querido filho Jerônimo:
Hoje tive a grata satisfação de te avistar pela primeira vez através da vidraça da Maternidade local.
Nem queiras saber da indescritível emoção que tomou conta de mim naquele momento.
És o primeiro rebento de uma feliz união que se estreita ainda mais com a tua alvissareira chegada.
Por isso, eu quero que encontre em nosso lar humilde um pouco de harmonia e bastante carinho para que possas crescer sadiamente e receber uma formação moral adequada.
Meu filho, eu não espero nada de mais para ti – apenas que aprendas a respeitar e amar o teu próximo e que deixes o teu quinhão despretensioso para a comunidade em que viveres.
Naturalmente, terás os teus defeitos e as tuas virtudes, porém, espero que assimiles humildemente tudo aquilo que te representar algo de proveitoso e útil na constituição do teu caráter, quando for oferecido por alguém que realmente te estimar.
O que a vida nos proporciona – prazeres, alegrias, preocupações, tristezas e outras coisas mais – compensa todo o sacrifício que a ela se dedicar, pois um instante sequer que tenhamos de amor e felicidade vale mais do que todas as amarguras que nos embaracem a existência.
Que sejas um simples e um forte para que possas enfrentar com dignidade e honradez este mundo te esperando lá fora, são os desejos deste teu pai hoje alegre e contente contigo.