sexta-feira, 14 de outubro de 2016

XÔ CRISE DANADA, VAI LOGO EMBORA DAQUI!

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Mas se a marmita da semana 
não for suficiente para alimentar minha fome, 
sem ninguém a quem apelar no resto do dia, 
vou ter de lavar parabrisa de carros nas sinaleiras para conseguir míseros trocados.

Cadê emprego, cadê salário, sem dinheiro 
que faço para sustentar mulher e filhos, 
os serviços escassos que mal compensam 
qualquer dura labuta e este tão terrível 
custo de vida que nunca para de subir?

Não me importo de sair empurrando 
carrinho de mão, enxada e pá para capinar 
algum quintal perdido por ai que virou mato 
pela preguiça do dono abonado, desde que renda alguma comida na mesa lá de casa.

Já me disseram que a crise está braba, 
que a gente tem de se virar para sobreviver 
nesta situação, tem que fazer malabarismo 
em qualquer lugar, até mesmo catando 
material que se põe fora nas lixeiras.

Antes que seja tarde, alguém precisa pensar 
em nosso sacrifício que não tem fim, 
sem nenhuma esperança de melhorar, 
para nos assistir nas mínimas necessidades próprias e dignas de qualquer ser humano.
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sexta-feira, 7 de outubro de 2016

E ERA MAIS CÔMODO PERMANECER CALADO...

Chego a tremer cada vez que abro a boca para dar algum palpite, receando ter de assumir a responsabilidade consequente desse ato involuntário. Em meados do século passado, estava eu degustando uma rubiácea com alguns amigos, sentado a uma mesa do imenso salão do Café do Comércio, onde todos falavam em encontrar um adversário para a próxima “pelada” do fim de semana. Todos menos eu eram atletas de uma equipe varzeana. Na gozação, sem querer, ofereci-me para colocar em campo um time inexistente e amarrei naquele momento a tão desejada partida.
Pra quê, mudeuducéu, em que encrenca me fui meter! Agora precisava sair dessa enrascada sem fugir da raia. E lá me mandei a buscar gente disposta a correr atrás de uma bolinha, conseguindo arregimentar – literalmente entre os soldados do quartel – os onze elementos necessários para colocar em campo, tendo ainda de providenciar camisetas, calções, meias e chuteiras, gentilmente cedidas com material de treinamento de uma agremiação esportiva local, incluindo mais a bola da disputa. Mais chorado ainda foi o empréstimo do campo que o diretor do clube largou a duras penas.
E para dar um toque feminino na cerimônia, formei uma comissão de atletas para convidar uma beldade de que me fazia admirador para ser a madrinha do improvisado esquadrão de futebol. No dia aprazado, as duas equipes prontas para a peleja, lembrei-me que faltava o árbitro e corri atrás de um espectador presente que a caro custo terminou aceitando a incumbência, por sorte o zelador do estádio ainda nos alcançou o providencial apito. O juiz dirigiu-se ao meio do campo, onde lá estava nossa madrinha a postos para entregar o ramalhete de flores ao capitão do time adversário.
Depois que nossa madrinha se retirou, na base do cara ou coroa, foi escolhido o lado de cada um dos disputantes e já ia ser apitado o início do jogo, quando o capitão do outro quadro, pediu para me falar e veio reclamar minha presença dentro da arena:
– Mas como é, todas as providências ficaram por tua conta e nem te fardaste para a nossa “peladinha”, esta não dá para aceitar...
– E o que mais querem? Já fiz a fogueira, então eu fora, vocês podem pular e se queimar à vontade! – Quando abro a boca tenho que sair da frente para não ser atingido.

Um quarto de século após, participava da organização de uma entidade de classe em que se colocava em pauta o lançamento de uma revista técnica. Julgando-me o menos ceguinho de todos os companheiros presentes, com um pouquinho mais de conhecimento de causa, resolvi abrir o bico para deixa-los perplexos com a opinião repleta de detalhes desconhecidos pela maioria. Afinal valia-me de minha experiência como gerente de jornal do interior, onde coloquei em prática noções empíricas de redação, revisão, diagramação e composição do meio em que me criara.
Tão convincente em meus argumentos, recebi de surpresa a chamada do presidente dessa associação – "Quem sabe te encarregas da direção da revista!" – mais um desafio ocasionado pela indiscrição oral. Ainda tentei expor a necessidade de se montar uma estrutura mais aparelhada com jornalista responsável, captação de publicidade, conselho editorial, distribuição e outras coisas mais. Mas aquele dirigente estava a fim de me colocar contra a parede, prometendo-me todo apoio logístico para implantar e levar adiante todas as metas do projeto, amparado num seminário nacional.
Precariamente, é bem verdade, conseguimos editar aquela publicação que foi alvo de um lançamento festivo, contando com o comparecimento de grande número de profissionais liberais, além de conceituados comunicadores, um deles isolado num canto do salão, chamava atenção, o que me levou a dirigir-lhe a palavra:
– Muito prazer, Senhor Fulano de Tal, admiro seu trabalho jornalístico.
– Agradeço o elogio, embora não seja a mim Beltrano objeto de merecimento. 
– Desculpe a confusão. – E sai de fininho para não provocar mais mal-entendidos...