sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

UM ESCRITO DE CLÉO DOS SANTOS SEVERINO

C A N T A L Í C I O   R E S E M
(Retratado em 18/maio/1975, data comemorativa de seus 92 anos de idade).

Havia em Cantalício Resem o germe da cultura que se manifestou na atividade jornalística e na propagação de conhecimentos vários, através da Livraria “A Miscelânea”, que dirigiu por mais de 30 anos. E o mais curioso de tudo isso é que o nosso biografado nunca cursou uma escola. Aprendeu as primeiras letras por ensinamento de seu pai e foi através da leitura, de muita leitura, que sedimentou seus conhecimentos e estruturou sua cultura.
Venâncio Felix de Cantalício Vieira Resem nasceu na cidade de Jaguarão em 18 de maio de 1883. Era filho de Ângelo Resem e de Delfina Vieira Resem. Aqui viveu e labutou toda uma vida; 93 anos de profícua atividade em Jaguarão, digno exemplo de amor à terra e à sua gente. Já aos 16 anos, então na cidade de Melo, República Oriental do Uruguai, emprega-se em uma padaria. Bem cedo inicia a dura labuta pela vida. Com 16 anos era balconista da ferragem de Bernardino e Domingos Ribeiro (no local onde está hoje o Banrisul). Já maduro e experiente, estabeleceu-se, em 20 de julho de 1910, com a Livraria e Gráfica “A Miscelânea”, à Rua 27 de Janeiro, antes nº 39, agora nº 408, no edifício que hoje leva o seu nome, por uma deferência especial e justa do atual proprietário: Dr. Eduardo Alvares de S. Soares.
A Livraria “A Miscelânea” encerra todo um histórico de distribuição de cultura e saber. Foram ali vendidas as mais notáveis obras editadas no Brasil, desde as de cultura em geral às de ficção em todos os seus gêneros, bem como as didáticas empregadas em nossas escolas. Nela houve memoráveis reuniões informais, desde os intelectuais mais categorizados, as simples rodas de amigos do proprietário, simpático e atencioso. Na sua ampla sala, entre prateleiras de volumes os mais diversos, discutiram-se toda sorte de fatos, situações e problemas que agitavam o Brasil de então. Saudosos tempos aqueles em que se cogitava mais da cultura do que da economia.
Em 1911, casou-se com dona Rosa de Souza Resem, que veio a falecer sete anos depois, deixando-lhe uma filha: Nilza. Casou-se em segundas núpcias com dona Florisbela de Souza Resem (1920), com a qual teve dois filhos: Anysio e Lucy. Sua segunda esposa foi uma notável colaboradora, dirigindo por vários anos a Gráfica “A Miscelânea”, então a mais profícua e ativa da cidade; gerenciou também por nove anos o jornal “A Folha”, passando a direção do mesmo ao filho Anysio, em 1947.
Em 1926, Cantalício Resem passou a exercer o cargo de Juiz Distrital até 1938, quando foi aposentado pelo Artigo 177. A sua nobre figura, aliada ao simpático tratamento que dispensava a todos, faziam-no perfeitamente integrado à função que tão bem desempenhou. Bem caracterizava sua personalidade forte mas modesta a atitude que tomou quando foi convidado pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado para exercer o cargo de Juiz Distrital, em Porto Alegre, pois era o primeiro da lista das 72 Comarcas do Estado. Agradeceu e rejeitou a deferência, informando que não era formado.
No campo jornalístico foi onde se revelou notadamente sua atividade cultural. Aos 18 anos idealizou e fundou um Jornal (o primeiro), todo ele escrito à mão, numa tiragem de 50 exemplares mensais. Realmente incrível. Foi por algum tempo redator de “A Ortiga”, jornal crítico, literário e noticioso, criado por Oscar de Oliveira, em 1903. Ainda nesse ano foi diretor e redator de “O Namoro”, hebdomadário literário e crítico.
Em 1910 foi redator do jornal “A União”, órgão da Sociedade União Caixeiral Jaguarense, pertencente ao Clube Caixeiral, sociedade recreativa da qual foi um dos fundadores, junto com Geraldo Piúma e outros. Foi um dos diretores de “A Situação”, jornal diário, órgão do Partido Republicano.
Em 1930, a Livraria “A Miscelânea”, então sob a direção de Florisbela S. Resem, fundou o jornal “O Comércio”, órgão de divulgação comercial que recebeu a ativa participação de Cantalício Resem.
Em quatro de dezembro de 1938, juntamente com Alfredo de M. Tinoco e Irany P. Ribeiro, fundou o jornal “A Folha”, que por 54 anos participa na construção e no progresso da Cidade Heroica.
Também na imprensa falada a contribuição de Cantalício Resem foi importante. Juntamente com um grupo decidido de pessoas, foi um dos fundadores da nossa Rádio Cultura.
No campo social e assistencial sua contribuição não foi menor. Com Dorval Santos e Francisco Nogueira Júnior, fundou o Colégio 20 de Setembro (1918), uma das primeiras escolas de alfabetização noturna para adultos no Brasil.
Foi por 33 anos secretário da Associação Protetora dos Desvalidos, hoje Sociedade Beneficente Augusto César de Leivas.
Ainda outros inúmeros benefícios trouxe a atuação de Cantalício Resem à nossa cidade, que o espaço desta crônica, já extensa, não nos permite citar. Era um homem de hábitos extremamente rígidos, de comportamento retilíneo, que pautava por uma dignidade a toda prova. Afável no trato, atencioso para com todos, com um permanente sorriso a espalhar-se-lhe pelo rosto, procurava servir sempre sem nunca se corromper. 93 anos de dignidade e trabalho, uma figura notável entre os construtores na nossa comunidade.
Jaguarão, 26 de março de 1992.
Cléo dos Santos Severino

(Publicado no jornal “A Folha”).