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Ilustração extraída do face de Sérgio Souza Amaro da Silveira, |
Olhando a secção do
tronco de uma árvore, constatam-se as camadas que se alternam a partir de um
núcleo central, resultantes da adaptação a cada ciclo climático da sua
existência. Desta forma, deduz-se a sua idade em função do número dessas
camadas. Explicação natural da Botânica, porém, poucos se dão conta que nenhuma
delas poderia ter se originado sem que as anteriores – e até o núcleo central –
fossem formados.
Enxergo assim minha
genealogia desde aquele instante em que meus avôs decidiram se aventurar nessas
terras brasílicas a partir de Marco de Canaveses, pequena cidade no distrito do
Porto, embarcando como clandestinos num cargueiro para fazer a América e tendo
de pagar esse traslado como taiferos. E indo mais além, fico imaginando outros
ascendentes às voltas com as invasões napoleônicas a Portugal, por ocasião da
fuga da família real para o Brasil. Seus descendentes também foram testemunhas da
Abolição da Escravatura e da queda do Segundo Reinado, com a proclamação da
República, dando vivas e saudando os novos tempos.
Rememoro minha
curiosidade infantil ao remexer no baú de fundo triangular embutido na estante
de livros jurídicos do gabinete do meu tio Cantalício Resem e me deparar com a
bandeira do Estado do Rio Grande do Sul, as cores vistosas e o altruístico lema
Liberdade – Igualdade – Humanidade. Uma época bárbara, em que imperava a
ditadura Vargas com a dureza da vigilância da polícia de Filinto Muller,
recolhendo e queimando todos os símbolos estaduais em nome duma questionável
nacionalidade. Eis que voltando o país a seu estado de direito, retornam esses
mesmos símbolos a compor a unidade federativa.
Em Jaguarão, busca-se a
relíquia histórica e tio Cantalício retira-a daquela arca de raridades para
colocá-la, já meio roída pelas traças, numa das sacadas do seu tradicional
sobrado, ao lado da Prefeitura Municipal. Mais tarde, o velho lábaro ainda
serviria para tremular imponente no Largo das Bandeiras e até se
prestaria a ser conduzido no desfile cívico de 20 de setembro. Entre nós,
falava mais alto o orgulho pela saga sul-rio-grandense, desta gente que nunca
hesitou em defender as fronteiras da própria Pátria.
Segundo a Secretaria de
Turismo do Rio Grande do Sul, “Jaguarão possui o mais expressivo e homogêneo
conjunto arquitetônico de estilo eclético”. Na cidade, já existem mais de 800
imóveis cadastrados para serem tombadas as respectivas fachadas. E isto é uma
forma de preservar a memória urbana remanescente da estagnação econômica e
social por que passou o município em razão da falta de investimentos para
se desenvolver e que agora busca atrair
visitantes para conhecer essa riqueza cultural.
Em Pelotas, a escritora
Zenia de León tem publicado uma série de obras “Casarões contam sua história”
em que aborda detalhes de cada prédio que vem resistindo a passagem do tempo
naquela cidade. Sérgio da Costa Franco e Eduardo Alvares Souza Soares são
autores que já nos tem legado importantes referências sobre nosso passado
arquitetônico. O primeiro, relatando a disputa política entre Carlos Barbosa e
Zeferino Moura pelo controle do diretório local do Partido Republicano
Riograndense, ilustra-nos com a ostentação dos respectivos palacetes. Enquanto
o segundo já tem elaborado pesquisa de fôlego sobre a Santa Casa de Caridade,
Associação Protetora de Desvalidos, Ponte Internacional Mauá e Igreja Matriz do
Divino Espírito Santo.
Toda essa memória
jaguarense precisa urgentemente ser resgatada através de exaustivos
levantamentos que podem ser feitos através de grupos de trabalho constituídos
por pesquisadores sérios que demonstrem nossa honra de estarmos inseridos na
dignidade do histórico passado brasileiro.