segunda-feira, 12 de maio de 2014

ATÉ DEBAIXO DO MAU TEMPO, NEM ACREDITO


Dona Mimi, esposa do Coronel Ataliba, salientava-se em sociedade como guardiã dos bons costumes e da conduta familiar, admirável pelo carisma e desprendimento nas campanhas comunitárias. Não era de se estranhar, pois, aparecesse com frequência na coluna social do hebdomadário local em clichê destacado com a legenda: “Mimi e Ataliba Pereira esbanjando sua proverbial elegância”. Sempre apoiando o marido na política e nos negócios, não se constrangia de arregimentar um grupo de senhoras para recorrer todas as tardes, no período eleitoral, aquelas “casas-luzinha-vermelha”, conduzindo a plataforma da Aliança Popular que tinha o Coronel como patrono. Nessas ocasiões, costumava impressionar o mulherio, expondo um programa de creches e casamentos incentivados para as “operárias da periferia suburbana”.
O diabo é que o velho Ataliba andava meio mal acostumado com a “tolerância” de sua mulher, muitas vezes flagrando-o e fazendo o maior dos escarcéus, nem se contam as “amiguinhas” despachadas por ela e socorridas em postos médicos das redondezas à custa do dito cujo para não responder processo por lesões corporais. Todo dia avisada do expediente se prolongando com a desculpa de convocarem assembleia (estatuto sendo alterado, integralização de capitais e outras coisitas mais), Dona Mimi mal desconfiava das chegadas do marido lá no “Naitandei”.

Marli conhecia bem o “furacão Mimi”, o suficiente para pressentir uma tremenda catástrofe vindo por ai. Há tempos, ela prevenia Janete para evitar o “enrabixamento” do cliente abonado, a exigir exclusividade nos seus serviços. Mas esta colaboradora da casa nem ligava para essas advertências, estimulando inda mais a fogosidade restante do coroa. O negócio já estava andando longe demais e a “chefona” se precavia de alguma represália da “matriz”, afinal a casa era de respeito, não admitindo qualquer arranhão em seu patrimônio. Mas essa de Janete acompanhar o Coronel até a estância para ver a esquila, agora sim, passava dos limites, pois se sabe lá como a mulher do capataz se portaria, se era confiável ou dessas “bocas de jacaré”, pior ainda se íntima de Dona Mimi.
E para complicar as coisas, aquela chuva sem parar há mais de três dias encharcando as estradas de chão batido, era bem capaz de impedir a passagem pelo arroio, na volta para a cidade. E eles no maior descuido como pombinhos predestinados à caçarola. “Meu Deus do Céu, atentai para que Dona Mimi não os importune”, porém, Marli deixava de ser atendida em suas preces, estando o Senhor surdo para escutá-las: o chofer de praça Costinha veio lhe contar que saiu em auto atola-desatola até desistir, deixando a passageira num rancho, onde ela conseguiu um carro de bois para continuar a viagem. A matrona já não aguentava mais de saudades do seu “Libinha” e tinha resolvido encarar uma maneira de ir lá na estância.

Dois dias depois.
Janete não tinha saído das casas e o Coronel passara fora o tempo todo empenhado no serviço da esquila. Já havia anoitecido quando chegou de volta, sem reparar Janete esfregando o chão da cozinha, foi direto ao banheiro se recompor no capricho, dali saindo apurado para o quarto, onde o esperava a romântica Mimi:

- Que amorzinho esta filha do capataz! Tão prestativa, não achas, querido?

8 comentários:

Academia de Letras de Crateús - ALC disse...

Uma história bem gauchesca poeta João Alberto. Um enredo de se sair nos hebdomadários de Jaguarão do Sul ou nas Ribeiras do Rio Poti. Um abraço.
Raimundo Cândido

Anônimo disse...

Muito boa, meu caro Souza.
Essas coisas aconteciam e ainda acontecem.
Abç.
Marco

Kie disse...

Simplesmente formidável!
Grande abraço.

Blau Fabrício de Souza disse...

Amigo Souza,
Muito bom o texto, como de costume.
Abraço.

Blog do Wenceslau disse...

Uma palavra só para a narrativa: genial. Abraços. Wenceslau.

Hunder Everto Corrêa disse...

Obrigado, José Alberto.
Muito lindo. Um abraço.

Eulálio Faria disse...

Bem fiel a "outros tempos". Lembro-me de um fazendeiro lá da terrinha que numa dessas "gauchadas" ficou na cama para sempre...




Anônimo disse...

Muito boa! Continuas brilhando em teus contos e "causos". Parabéns amigo SOUZA.
Fraternalmente,
Teixeira