terça-feira, 17 de janeiro de 2017

PRAZO DE VALIDADE - p/ Sérgio da Costa Franco


Li na semana passada o interessante livro de Luiz Felipe Pondé, FILOSOFIA PARA CORAJOSOS, presente de Natal do meu neto Jonas. E ainda que aquele filósofo me pareça às vezes superficial, ele não deixa de nos transmitir algumas verdades chocantes, que nos obrigam à reflexão. Uma delas diz respeito à longevidade, em geral saudada como grande conquista do nosso tempo, mas que ele cerca de reservas muito ponderáveis. “Transcrevo o próprio Pondé: “O mundo moderno burguês em que vivemos é um lugar pautado pela lógica da eficácia em que tudo é medido pelo seu valor “instrumental”, ou, dito de outra forma, pelo seu valor “de uso”. “Você vale pelo que faz funcionar neste mundo. Idosos hoje não valem nada, apesar de dizerem o contrário. Ficam brincando com computadores e Facebook para parecer parte deste mundo. Claro, os idosos com grana têm seu lugar na cadeia de consumidores de bens de valor”.
Depois dessa importante lição, em que nos convence de que estamos sujeitos a prazo de validade, ele ainda escreverá mais adiante: Eis que a longevidade está aí. Vive-se muito, e uma das primeiras coisas que os governos têm de fazer é adiar a aposentadoria, porque ao lado da longevidade está a infertilidade das mulheres seculares, o que gera o famoso problema da previdência: não tem jovem bastante para bancar tanto idoso querendo ser feliz. Afora essa questão de gestão, a longevidade cria outros traumas. Como os vínculos são cada vez mais efêmeros entre as pessoas, e a atomização é crescente, a tendência é a solidão ser a outra face da longevidade. Pessoas vegetam em suas casas, quando têm casas, ou abrem-se novas casas de repouso. Claro, existe até uma nova ciência: gerontologia.
É evidente que o livro de Pondé não é de autoajuda. Se já estávamos mais ou menos preocupados com a ultrapassagem do prazo de validade, a perspectiva de uma longevidade em solidão não é nada animadora.
O interessante é que o nosso inconsciente reage, e, pelo menos em sonhos, reassumimos as funções do passado, voltamos a ter preocupações com o trabalho e a eficiência. A angústia por não haver entregue à Redação do jornal o artigo agendado é um dos meus sonhos mais frequentes. E vai ao ponto de tentar escrevê-lo mesmo dormindo. 
A preocupação com a perda de prazos processuais, muito própria dos profissionais do Direito, seguidamente me assalta. Pelo menos durante o sono, não perdi validade, ainda me vejo mergulhado no trabalho e preocupado em ter bom desempenho. Parece-me isso uma justa reação do inconsciente contra o que Pondé sadicamente chama de “apodrecimento” dos longevos.

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