terça-feira, 9 de junho de 2020

A CRÔNICA POÉTICA de Brenda Florángel Ahlers

A SAUDADE
A Q U E L A   M E N I N A

...desde la altura de la niña que fui, no es tanto por recordar como ver si consigo, al cabo, de una vez, olvidar un poco.  LAURA ALCOBA

Naquela época, a empregada servia-me no almoço uma comida amarga que minha avó me obrigava a digerir. Levantava-me correndo da mesa e meu pequeno corpo enfraquecido se dobrava para expulsar todos os pedaços engolidos.
Não entendia... Alguém havia cortado abruptamente os laços com minha mãe que com vinte e cinco anos estava prostrada com poli neuropatia numa cama, rodeada de travesseiros. O arsênico administrado em pequenas doses tinha atacado seus nervos e músculos. Suas mãos pendiam dobradas sem movimento como pétalas murchas a ponto de se desprenderem de seu corpo. Seu rosto havia tomado a cor da tristeza e seus olhos sem brilho a da lonjura.
Meu pai ausente... Ainda às vezes se apoiava no marco da porta e a olhava demoradamente. E eu fiquei com quatro anos de idade como uma boia no meio do mar.
Então tomei minha decisão: não permitiria que me colocassem no estômago tanta amargura. O ruído dos pratos e dos talheres me indicava que era a hora do almoço.
Corria até a vila, a algumas quadras da minha casa, onde me esperavam os pequenos para brincar. Logo uma voz nos chamava. Sentávamo-nos a uma grande mesa. A meu lado, Perico e seus quatro irmãos.
Perico era meu amigo de seis anos que me abraçava quando tinha frio e abria suas mãos sempre mornas para receber as minhas, Ele não sentia o rigor das estações, não usava campeira e seus dedos do pé fugiam pelo buraco das sapatilhas esfarrapadas.
A mãe com uma concha tirava o ensopado de uma panela de barro com patinhas, preta pela fuligem das chamas do fogão e o repartia nos pratos.
Para mim não havia mãe mais linda do que a de Perico. Vestia-se com um avental que caia até os tornozelos e tinha uns seios enormes que se moviam de um lado para o outro quando caminhava;
Eu queria ser irmã de Perico e ter essa mãe que me servisse sorridente esse rico ensopado com muita abóbora e milho.
Depois todos iam ao pé do umbu que elevava suas raízes como uma banqueta. Ali se sentava a mãe de Perico com um violão para cantar: “Em um bosque da China, uma china se perdeu...” Deitados sobre o pasto, à sombra do umbu, começávamos a fechar os olhos. Eu abraçava Perico e ele tirava os cabelos de minha cara com sua mãozinha suja.
Adormecia-ne com a voz dessa mãe que chegava como um sussurro... sussurro cada vez mais afastado.
Brenda Florángel Ahlers Perez
(Tradução de José Alberto de Souza)

5 comentários:

Átila Resem disse...

Histórias de uma vida, bela tradução tio José Alberto!!!

Átila Resem disse...

Gostaria de ter alguma coisa escrita, de tua autoria, em alusão a memória de tua irmã, Lucy Resem, minha mãe, seria importante para nós. Forte Abraço e ficamos na espera!

Anônimo disse...

Cumprimentos, amigo Souza
Texto muito humano, muito sensível, muito inspirado. O desenho da menina querendo regressar ao ventre da mãe também é tocante.
Abraços
Cabeda

Lorena Hidalgo Brandt disse...

" A saudade é dor pungente, que maltrata e faz sofrer; vive no peito da gente e não nos deixa viver"- Sempre lembro que minha mãe, Lucy Resem Hidalgo, irmã desse tio tão querido (José Alberto de Souza), fazia essa citação ou, não sei dizer (e aqui peço desculpas pela minha ignorância), se era de sua autoria. Escrevo sobre isso por que o texto fala sobre saudade. E sinto muita saudade dela. Sempre lembro, também, das vezes em que o tio "Zeca" (apelido carinhoso que demos ao tio José Alberto), vinha visitar a mãe, para tomar chimarrão e mostrar a ela seus "escritos". Donde saiam grandes conversas sobre essas leituras. Ela própria, Lucy, também escrevia coisas lindas, mas decidiu não compartilhá-las. Uma pena. A bela tradução do texto, tiozinho, me trouxe tudo isso e mais outras tantas belas recordações! Beijos

clovis erly rodrigues. bispo disse...

lindo e poético texto