sexta-feira, 7 de setembro de 2007

A nossa dura rotina como jornaleiros de outrora (II)

A sensação de desconforto acentuava-se à medida que progredíamos nessa tarefa, ansiosos por trocar a roupa ensopada, beber um café quente, esquentar o corpo. Eu cantava o número de cada casa; seu Cândido passava o jornal amolecido pela umidade na soleira das portas e respondia com o nome do bicho. Ele tinha a sua ilusão de acertar e despedir-se dos biscates; era simplório, mas possuía um senso de humor incomum. Assim, eu ficava observando aquela criatura que parecia derreter-se, gotas pingando do rosto vincado pelas rugas de um envelhecimento precoce, que nem o capuz do impermeável amarelo conseguia esconder. ****************************** Ruas encharcadas, o barro grudando nos pés pesados que chacoalhavam em lâminas de água. Sapos, grilos, um rádio tocando: a madrugada tinha seus ruídos. Alguma luz por detrás de um postigo encostado numa janela qualquer: por certo, um notívago assuntando entre paredes, no calor das cobertas. ********************************************************************** - Mil duzentos, cinquenta e cinco - dizia eu apontando para o armazém do Armando Costa e imaginava-me chegando mais cedo: a venda logo fecharia e o dono, aguardando o jornal, chamaria-nos para dentro, ofereceria mortadela fatiada e pedaços de pão; o apetite voraz, a saliva esgotando-se na boca, o picante de uma pimenta inesperada, o copo de vinho para não engasgar, uma vontade danada de ficar por ali, sentado nos sacos de batata, esperando a chuva passar... ********************************************************************** - Gato - berrava seu Cândido, à porta do armazém em que havia deixado o jornal, arrancando-me daquelas cismas.

2 comentários:

Anônimo disse...

Meu caro Souza,
Acessei o teu blog e tive o prazer de verificar como ele é bem feito e de muito bom gosto. Nem poderia ser diferente, conhecendo-te como te conheço há tantos anos.
Tomei a devida nota para visitá-lo periodicamente.
Meus parabens e que continues na trilha que estás desbravando!
Um abraço do amigo e colega
Cabeda.

Anônimo disse...

Lindo, lindo, hei poeta das águas doces tendo por fundo a nossa Ponte Mauá. Parabens.
Hunder