quarta-feira, 24 de setembro de 2008

...ET LE ROI (III)

( c o n t i n u a ç ã o )
Há tempos que eles vêm monitorando os teus passos. E tu, Antoine, nem percebes nada. Agora mesmo que andas sozinho pela rua, eles vão te abordar, um de cada lado. Sentirás uma picada de agulha e, logo em seguida, desmemoriado, ficarás completamente a mercê dessa gente. Nem precisarão vendar os teus olhos porque, assim drogado, nunca vais saber por onde andaste. Foste convertido num ente sem vontade própria. Apenas te restarão teus conhecimentos técnicos que eles vão explorar.
Então, vais chegar numa propriedade situada em local inóspito, de difícil acesso, cercada de muros elevados e vigiada por ferozes cães de guarda. Contigo, eles atravessarão imenso bosque que oculta um sombrio prédio de poucas aberturas para o exterior, todas elas gradeadas, onde providenciarão teus aposentos e tuas vestimentas. Ali não verás nenhuma luz natural, apenas estarás circulando em longos corredores junto com outros internos, as faces encobertas em capuzes de mantos escuros.
Em breve, deverás voar à baixa altitude sobre uma área de florestas cerradas, fugindo do controle dos radares internacionais para transportar uma carga que nem chegarás a imaginar o que possa conter. Em tua mente, foi introjetada uma ordem de obediência incondicional, chantagem que não admite rebeldia, pois, caso contrário colocarás em risco a vida de Michelle e Phillipe, daqueles que não podes prescindir. Sem qualquer noção do tempo, nunca terás a mínima idéia de quando vais concluir essa missão.
A maior parte das tuas horas será gasta em sono profundo a que te induzirão a fim de receberes instruções e procedimentos a serem gravados em teu subconsciente, tais como planos de vôo, rotas aéreas, sistemas e códigos de comunicação e tudo que for necessário para desempenhares a tua tarefa. Ainda serás submetido a várias simulações de obstáculos e imprevistos para testar a tua capacidade de superá-los. Assim, estarás vivendo numa situação virtual, da qual te despojarão quando voltares à tua realidade.
Logo ficarás pronto para o grande passo rumo ao desconhecido. Eles vão te levar para um campo de pouso clandestino, com hangares cuidadosamente camuflados que guardam antigos bombardeiros adaptados para transporte de cargas. A aeronave que deverás pilotar já estará devidamente preparada para a decolagem. Apenas te caberá tomar conta da cabine de comando e seguir a movimentação involuntária das tuas mãos junto aos controles da aparelhagem sub-repticiamente colocada á tua disposição.
Desse modo, quando menos esperares, chegarás a teu destino e, em seguida, voltarás à letargia do repouso induzido ali mesmo na cabine de comando, enquanto eles descarregam a misteriosa carga, Eles te concederão certo tempo e depois te despertarão para o trajeto da volta que tornarás a proceder como da vez anterior, voando à baixa altitude sobre uma área de florestas cerradas, fugindo dos controles dos radares internacionais e... circulando em longos corredores, a face encoberta em capuz de manto escuro...
Alta madrugada, perambulas solitário pela rua. Apenas te lembras de ter saído de tua residência para buscar baguete e leite na padaria. Aliás, recém agora começam a ser levantadas as cortinas de aço da mercearia, o leite já foi entregue e o pão está saindo do forno. Portanto, és o primeiro freguês a passar no caixa para pagar as suas compras. Daí voltas para casa, meio que cantarolando naquele velho e surrado bordão: il a déjà pensé dans la brise des vertes mers en équilibrant les cocotiers des plages ensoleillées?

Um comentário:

Gilberto disse...

Muito bom este texto que dá asas à imaginação do leitor onde ficção e realidade se confundem em nosso país. As expressões em francês ficas me devendo pois não entendo nada dessa língua ha não ser meras frases soltas aprendidas no tempo de ginásio.
Um abraço