terça-feira, 9 de junho de 2009

A panquecaria da prima Clotilde

De família pobre, o Zequinha tinha vindo do Interior, a convite de um tio, para procurar emprego na Capital. Esse tio que era zelador de um edifício, com a chegada do Zequinha, tratou de acomodá-lo num velho sofá-cama existente no galpão de ferramentas anexo à sua moradia situada no terraço do prédio, também utilizado para secar as roupas lavadas dos moradores nos varais estendidos no local. O Zequinha que não era dado a escolher qualquer ocupação, logo topou se arranjar como ajudante de padeiro na mercearia dos gringos ali perto, com horário puxado desde a madrugada a fim de colocar no forno a massa crua e repartida para dali sair transformada no sovado quentinho que a clientela buscava ávida para o alimento matinal. E mais ainda havia umas três fornadas para completar a produção diária até o entardecer.
E de noite, o Zequinha fazia um esforço danado para freqüentar a escola noturna que lhe possibilitaria conseguir uma melhor qualidade de vida. A rotina podia ser desgastante, mas ele ia agüentando firme, saindo do seu quartinho quando nem o sol tinha se levantado e voltando de tarde apressado a fim de pegar uma ducha ligeira e suficiente para banir do seu corpo o suor misturado com a farinha de trigo.
Raramente o Zequinha costumava avistar o seu tio e a esposa ao chegar ao apartamento deles, pois ambos se viravam por fora para conseguir uma renda extra a seus ganhos naquela zeladoria. Ele, bastante solicitado em serviços de hidráulica, eletricidade, pintura, sempre pegava o que aparecia, e ela cavando o seu em trabalhinhos de arrumadeira e passadeira. Clotilde, a filha, é que ficava tomando conta de casa...
Clotilde tinha as suas aulas no colégio durante a manhã e, à tarde, passava estudando e preparando os deveres de casa ou então assistindo televisão, sendo interrompida toda a vez que o Zequinha dava com a toalha, sabonete e a cara sisuda – oi, tudo bem – passando apurado em direção ao banheiro e depois se mandando para a rua, todo bem vestido. Até que um dia, a Clotilde notou algo de estranho nele...
E sempre num certo dia, geralmente ensolarado, em que ela ficava a cismar – xi, hoje tem roupa no arame! Pois nestes dias, não se sabe de onde, surgia no terraço recolhendo a roupa seca, Dona Antoninha, moradora do 507, recém separada do marido, que em seguida retirava-se toda lampeira, cantarolando escadas abaixo. E justo nesse instante, é que o Zequinha adentrava, toalha e sabonete, o corpo todo lambuzado, para o seu banho.
A Clotilde resolveu então tomar umas providências. Colou uma foto da Ana Hickman na parede do seu quarto e foi se espelhando na celebridade. O cabelo crespo desleixado foi recebendo umas chapinhas daqui e dali, carregou no xampu da banheira, a maquiagem caprichada, fez um photo shop ao natural, enfiou-se no tubo curtíssimo do modelito negro frente única que tinha descoberto na liquidação do supermercado.
Naquele dia, assim que o sol caia no poente, já não tinha mais nenhuma roupa no arame, o Zequinha saiu da sua toca naquela sutileza de sonso disfarçado e foi chegando para a higiene habitual, nem notou a ausência da prima na sala. Mas assim que se retirou da sua privacidade, eis que enxerga aquela tremenda ninfeta a ofertar-lhe uma taça de Côte Rouge, vinho uruguaio em promoção na praça, e querendo esticar o papo monossilábico...
Ele que escolhesse o sabor - à bolognesa, à catupiry ou à calabresa - pois, a partir de então, o Zequinha jamais poderia deixar de lanchar na panquecaria da prima Clotilde.

Um comentário:

cabeda disse...

O senhor, "seu" Souza,
está a sair-me um grande ladino....