sábado, 10 de dezembro de 2011

Parceiro Vado Medeiros na "sobreloja"

Contemporâneo de Pedro Bartholomeu Ribeiro (Tutuca) no Ginásio Estadual de Jaguarão, eu ficava abismado com a sua verve em composições musicais que produzia a torto e direito, sem se importar com o destino que elas tomariam. Quando muito apresentava as mesmas através de performances beneficentes do Conjunto “O Ginasiano”, na época composto por ele, Luiz Fernando Cassal, Eulálio Delmar Faria (Pato) e mais os saudosos Luiz Carlos Silveira (Bode), Oscar Godofredo Porciúncula (Porraço) e Luiz Elder Franco, inclusive tinha o samba “Trovejou, Relampeou”, de sua autoria, como característica musical do grupo.
Eu não me conformava com tanto talento desperdiçado e tentava convencer “Tutuca” a encarar melhor a divulgação de sua obra, mas ele Pedro Bartholomeu sempre me contestava com a demasiada mão de obra que lhe custaria investir nessa empreitada, não valia a pena. E ai eu, nulidade em qualquer ritmo, meti-me a querer provar como não seria tão difícil assim. E comecei a cantarolar alguns versinhos que me vieram à mente, saiu “Boa Noite, Alegria”. Depois numa viagem naqueles ônibus antigos da Fréderes, que rangiam com as “costeletas” da estrada de terra, comecei a escutar uma melodia naquela barulheira, “Seu Boa Piada”...
Um belo dia, enchi-me de coragem para apresentar esses “pecaditos” ao notável instrumentista de Jaguarão, Oswaldo Emílio Medeiros, nosso querido Mestre Vado. Voz de taquara rachada, ritmo precário, fui “largando a franga”. Ele me pediu que parasse, obedeci envergonhado. Ele pegou um pedaço de papel, riscou algumas pautas, apanhou o “surrado” clarinete de palhetas amarradas com barbante, deu uma ligeira afinada e me ordenou “canta de novo”, “para”, solava aquela coisa e depois escrevia as notas na modesta partitura. Canta, para, toca, anota e assim fomos indo. Em questão de minutos, as partituras estavam prontas.
“Quanto é, Mestre Vado?” De jeito nenhum quis me cobrar. Disse-lhe então que dali em diante o apresentaria como parceiro. Aceitou relutante, pois queria me convencer de que tinha passado para o papel aquilo que lhe transmiti. Na ocasião, recomendou-me que procurasse o professor Alcebíades Lino de Souza, pianista jaguarense, diretor do Conservatório Musical de Pelotas, para fazer o arranjo para piano e o desenho da partitura. E lá fui numa “via-crúcis” danada, dando cabeçadas de tudo que é jeito. Estabeleci meus primeiros relacionamentos no mundo musical e terminei editando a partitura definitiva e encalhada daquelas músicas.
Em 2002, produzi “Fundo de Gaveta”, CD/Demo reunindo parceiros e intérpretes para compilação de tudo aquilo que resultou dessa nossa jornada e ali registrando o samba “Boa Noite, Alegria” e a marcha “Seu Boa Piada”, ambos com música de Oswaldo Emílio Medeiros e letra de José Alberto de Souza, com muita honra. Pouco tempo depois, estive jantando numa churrascaria da Coxilha/Uruguai, onde me juntei aos amigos Cláudio Rodrigues, Newton Silva e Arnoni Lenz, para entregar essa modesta gravação aos companheiros “Tutuca” e Vado Medeiros, integrantes daquela coletânea.
Hoje sou surpreendido pela matéria “Jaguarão está de luto: faleceu Mestre Vado” postada em http://confrariadospoetasdejaguarao.blogspot.com/2011/12/jaguarao-esta-de-luto-faleceu-mestre.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+blogspot%2FmhyBLf+%28Confraria+dos+poetas+de+Jaguar%C3%A3o%29 e, pesaroso, estou publicando este meu depoimento sobre um ilustre conterrâneo, personalidade ímpar da nossa cultura popular, de grande contribuição a tantas orquestras e conjuntos regionais que se formaram em Jaguarão e Rio Grande, aonde chegou a acompanhar consagrados cantores do cenário nacional. Acredito que São Pedro deve estar recebendo-o de braços abertos ouvindo:
“Seu Boa Piada,
Seu Boa Piada,
conte mais uma,
bem bem engraçada,
daquelas que o senhor,
dizer sempre costuma...”

2 comentários:

Anônimo disse...

Triste notícia Tio, mas faz parte da existência. Mestre Vado ficará na lembrança de quem o conheceu e eu tive esse privilégio. Que ele continue iluminando outros planos com a mesma gentileza, modéstia,humildade e talento que teve por aqui.
Hilda

Carlos José de Azevedo Machado disse...

Estava, ontem, na Lagoa (fugi um pouco da Feira) e recebi a notícia. Cheguei hoje, e a primeira coisa que fiz foi entrar no Poeta das Aguas Doces, pois não tinha dúvidas de que receberia uma homenagem de classe. A classe que só os poetas conseguem. Mestre Vado já era imoral. Agora segue imortal. Estará conosco toda vez que respirarmos MÚSICA. Grande Abraço.