domingo, 27 de abril de 2014

O positivismo e a liberalidade nas profissões

Templo Positivista de Porto Alegre

“O preceito que estabeleceu a liberdade profissional plena, embora hostilizado vivamente por profissionais diplomados, especialmente os médicos, parece-me que teve mais virtudes do que defeitos. Além de abrir mais possibilidades de trabalho a uma estrangulada classe média e de oferecer assistência a comunidades pobres e distantes, que jamais receberiam a visita de um médico ou de um dentista graduado, a regra da liberdade profissional terminou, indiretamente, por estimular o nascimento de instituições de ensino superior. Pelo próprio temor que os charlatães inspiravam à intelectualidade, o Rio Grande do Sul cedo criou sua Faculdade de Medicina em 1898, a terceira do Brasil em ordem cronológica. Já criara, em 1896, a Escola de Engenharia, assim como gerou em 1900 a Escola Livre de Direito.”
O historiador Sérgio da Costa Franco, nosso conterrâneo, tem enriquecido recente postagem deste blogue com seu oportuno comentário sobre o positivismo e a liberalidade no exercício das profissões. Então, ele nos diz que “a legislação da época não exigia qualquer prova de competência” e que “era livre o exercício de qualquer profissão, inclusive as da área médica”, pois “bastava inscrever-se na Diretoria de Higiene e pagar o imposto de licença”. Afirma ainda ter examinado “o assunto em vários ensaios”, não chegando “a conclusões muito negativas”, já que “nas condições do tempo, com absoluta falta de profissionais diplomados, talvez tenha sido uma saída necessária”.
Para esclarecer o tema, ele nos enviou gentilmente seu último livro publicado – “Ensaios de História Política” – do qual extraímos o trecho da página 24 acima grifado. Esta obra resultou da reunião de dois livros de edições esgotadas publicados pela Editora da UFRGS, - “Getúlio Vargas e outros ensaios” em 1993 e “Pacificação de 1923” em 1996 -, além de outros trabalhos inéditos. Mais especificamente, indica “O meio rio-grandense e a fundação da Faculdade de Medicina", texto de palestra proferida por ocasião do centenário daquele instituto de ensino superior da UFRGS. De sua absorvente leitura, colhemos interessantes lições da história rio-grandense que passaram a ser conhecidas a partir de árduas pesquisas empreendidas por Costa Franco.
Assim, começamos a entender melhor os fundamentos da filosofia positivista de Augusto Comte, a partir do título IV (“Garantias gerais de ordem e progresso no Estado”) da Carta de 1891, onde se encontra expresso: “Não são admitidos também no serviço do Estado os privilégios de diplomas eclesiásticos ou acadêmicos, quaisquer que sejam, sendo livre no seu território o exercício de todas as profissões de ordem moral, intelectual e industrial” (parágrafo 5º, artigo 71). Adiante, estabeleceu-se no artigo 74: “ficam suprimidas quaisquer distinções entre os funcionários públicos e os simples jornaleiros, estendendo-se a estes as vantagens de que gozarem aqueles”, conforme o filósofo francês pregava como ideal de incorporação do proletariado à sociedade moderna. 
Nesses “Ensaios de História Política” vale a pena assinalar na página 27: “Segundo os conselhos de Augusto Comte, o poder público apenas deveria cuidar da instrução fundamental, assegurando a todos noções gerais e enciclopédicas, que evitariam a preponderância excessiva e irresistível dos donos de uma ilustração privilegiada. Quanto aos ensinos secundário e superior, neles não interviria o governo, ficando assegurada a livre iniciativa dos particulares. Desta forma, visava-se evitar o nascimento de uma ‘ciência oficial’, que deformaria e viciaria a livre consciência dos cidadãos”.
Eis ai, em rápidas pinceladas, um dos aspectos da Constituição Estadual de 14 de Julho de 1891, obra de Júlio de Castilhos, líder máximo do Partido Republicano Rio-Grandense, regime político que aqui se perpetuou por mais de três décadas, exasperando o poder de estado com grande influência na República Velha e relegando o “Sistema de Política Positiva” de Comte a um modelo teórico frustrado em seus princípios sagrados de liberdade de consciência e de opinião. Em suma, peculiaridades que caracterizaram as diferenças entre uma e outra doutrina.

3 comentários:

Luiz Carlos Amorim disse...

Você me pediu o endereço e como esse correio eletrônico está uma droga, a gente nunca sabe se a mensagem chegou ou não, pergunto: recebeste meu endereço?
Grande abraço do Amorim

Academia de Letras de Crateús - ALC disse...

Poeta das Águas Doces este texto me fez recorda de um dentista prático que me arrancou um dente. o boticão era uma engrenagem que mais parecia um cortador de gramas. Menino ainda, mas tive vontade de voltar e chutar as canelas do velho dentista que afolozou meus queixos. Um abraço , e diga ao Guaiba que o Rio Poti deu sinal de vidas!

Marluce Aires disse...

PARABÉNS PELO EXCELENTE TRABALHO.