terça-feira, 14 de julho de 2015

UMA VALIOSA CORRESPONDÊNCIA AÇORIANA


...aqui estamos já aquerenciados neste torrão ancestral de todos nós, gaúchos. O que são os Açores, afinal? Antes de mais nada, umas sujadinhas de mosca em pleno Atlântico Norte (se deres uma olhada no mapa mundi, encontrarás o arquipélago a meio caminho entre Lisboa e Nova Iorque). Tecnicamente, uma Região Autônoma de Portugal, com regime político próprio, com presidente próprio, mas sempre território português, com moeda portuguesa, etc..
Os Açores são constituídos por nove ilhas, divididas em três grupos (ocidental, central e oriental). Estamos nós na ilha de São Miguel, na capital (Ponta Delgada). São Miguel tem 90 km de comprimento por 14 km de largura, em média. É a maior ilha e que concentra quase 60% de toda a população do arquipélago que é, no total, de 250 mil habitantes. Ponta Delgada tem 45 mil habitantes, é uma cidade europeia, com excelente nível de vida, problemas de trânsito (a cada ano, entram 25.000 automóveis em São Miguel e não sai nenhum), um canal de TV, uma rádio AM e uma FM (a TV com três novelas brasileiras – faz sucesso aqui “A Rainha da Sucata”). As rádios transmitem preferentemente rock e música brasileira, esta felizmente boa. Uma bela universidade com 2.100 alunos distribuídos em vários cursos, exceto os de Direito, Medicina e Engenharia. Uma primorosa biblioteca pública. Um conservatório musical. Uma orquestra de câmara e coral. Vários museus. Oito igrejas, a maioria dos séculos XVII e XVIII, embora haja até do século XVI. Como se vê, uma cidade altamente civilizada.
Quanto ao meio físico, a ilha de São Miguel é de formação (deformação!) vulcânica. Há gêiseres impressionantes, arroios de água quente, inúmeros vulcões extintos e a presença constante de uma ameaça, terremoto. O maior que se teve nos últimos tempos foi em Angra do Heroísmo, capital da ilha Terceira, há 10 anos, que arrasou a cidade, com centenas de mortos. Todo açoriano teme a possibilidade de sismos. Os técnicos da Universidade dizem que há pelo menos 300 abalos de terra por dia, embora só perceptíveis por instrumentos. A meteorologia da ilha é curiosa: são constantes os ventos de 120 km/hora e são raros (ao menos agora no inverno) os dias de sol, o normal são dias nublados, de céu cinzento. A temperatura, por sorte, é constante nos 11º e 12º graus Centígrados.
Alugamos aqui uma casa do século XIX, muito semelhante – aliás igual – à de Bento Gonçalves, em Triunfo (porta e duas janelas em um pequeno pátio). Fica situada a 10 minutos do centro de Ponta Delgada, em uma rua sossegada, uma ladeira suave, num bairro chamado de Calheta.
O povo da rua é amável, como aliás o é todo açoriano, prestativo, generoso, miúdo e trabalhador. O português aqui ouvido é bem diferente de Portugal continental, tem música e é falado tão às pressas que pouco se percebe.
A seguir, um pequeno glossário com a respectiva tradução: barrinha (cama de solteiro), paneleiro (homossexual), bicha (fila), mulher a dias (faxineira), lixívia (detergente), rabo (bunda, mas não é palavrão), fato aos quadros (paletó quadriculado), sala de banho (banheiro), giro (bom, legal), fixe (bacana, legal), bica (cafezinho), copo (trago, bebida), cadeirão (sofá), alcatifa (carpete), almofada (travesseiro), quarto de cama (quarto de dormir), camisola (camisa comum), cueca (o mesmo que no Brasil, mas também significa calcinha de mulher), meia de vidro (meia de nylon feminina).

Então que giro, não?

(Publicado em A Fonte, Jornal de Integração de Santo Antônio da Patrulha e Litoral Norte, na 2ª quinzena de Março de 1992, Ano I, Nº 1).

5 comentários:

Academia de Letras de Crateús - ALC disse...

Um texto bem giro mesmo, grande poeta das águas doces! Um abraço!

Anônimo disse...

Souza,
Estive várias vezes em Portugal mas, apesar de conhecer a Madeira, ainda não conheço Açores. Ainda está em nossos planos. Quem sabe o ano que vem quando pretendo voltar por lá. Os termos, na sua maioria, são usados em Lisboa ainda hoje, mas é interessante ver "um outro lado" da nossa língua. Valeu pela recordação. Abraços. Wenceslau (Blog do Wenceslau).

C.B.P. Cabeda disse...

Sem dúvida, amigo Souza,
Abraços.

Marco Aurélio Vasconcellos disse...


Caro Souza,
Pena que o texto não seja mais completo com relação às demais ilhas que compõem o Arquipélago dos Açores. Faltaram menções às ilhas de Pico, Faial, Corvo, Flores, Graciosa, Santa Maria e São Jorge. Eu estava na expectativa, porque tenho, em parceria com o grande Martim César, uma canção nova e inédita, intitulada NOVE PEDAÇOS DE MUNDO, cuja temática justamente é sobre os Açores, suas ilhas e sua gente que veio ter ao Brasil, especialmente nos dois Estados do sul.
Mas, de qualquer forma, o texto do mestre Assis Brasil é interessantíssimo, cuja leitura realmente vale a pena.
Grande abraço.

JASouza. disse...

Conforme publicado em A FONTE:
(Ponta Delgada, 20 de janeiro de 92, carta de Luiz Antônio de Assis Brasil para José Alberto de Souza)
Quer dizer: omiti o destinatário por razões editoriais. Outrossim, foi reproduzido um trecho dessa missiva, em que o remetente apenas descreveu o entorno em que estava situado, de vez que ali se encontrava em viagem de estudos, sendo pois uma comunicação pessoal que dispensava um tratado mais abrangente sobre o arquipélago dos Açores.