domingo, 11 de dezembro de 2016

Mais uma de Costa Franco: "Os homens e os cães"

Ao caminhar aqui pela Avenida Getúlio Vargas, onde sempre há cachorreiros e cachorreiras levando cães a passeio, me deparei com uma singularidade: enorme homenzarrão com mais de metro e noventa e um respeitável diâmetro ventral (é como os especialistas da área médica estão chamando a velha e popular barriga) conduzia pela guia um cãozinho “Yorkshire”, enfeitado de fitinhas coloridas.
A desproporção entre o homem e seu cãozinho (provavelmente uma cadelinha, a julgar pelos adornos feminis) me levou a algumas reflexões. O que teria levado esta espécie humana, que gerava gladiadores, bandeirantes e caçadores de tigres a sujeitar-se agora ao vexame de andar pela rua com uma míni-cadelinha enfeitada de fitinhas? Certamente houve o precedente de um diálogo do casal: - Hércules, não tenho tempo de levar a Fininha ao passeio hoje. Podes leva-la? E o pobre Hércules, morador de apartamento, que não tem a graça de possuir um Labrador, um Rothweiler ou um Policial dignos da sua companhia, tem de submeter-se, por mera solidariedade conjugal, ao ridículo daquele desfile pelas ruas do bairro.
A ascensão social, demográfica e “política” dos cães é um assunto digno de preocupação. Integrados à sociedade humana, consumindo alimentos quase em equivalência aos humanos, resguardados por rigorosa proteção legal, os cães poderão superar a nossa espécie em futuros recenseamentos. Já hoje, há domicílios em que os totós são mais numerosos que as crianças e seus pais. E quem examinar as gôndolas dos mercados, vai encontrar ração para cachorros com mais fartura e variedade que o feijão e as farinhas.
Entretanto, nem sempre foi assim. Esta ascensão social do cão, em todo o Ocidente, é um fenômeno mais ou menos recente. Antes de Pasteur e da vacina antirrábica, temia-se muito os cachorros, sendo eles perseguidos pela famosa “carrocinha”, que há pouco tempo ainda circulava pelos bairros de Porto Alegre, para recolher os vira-latas abandonados na rua. Na zona rural, os cães gaudérios, quando viviam em matilhas numerosas, tornavam-se agressivos e exigiam operações policiais para a sua repressão. O viajante inglês Mulhall, na área da Lagoa Mirim, ainda recolheu a tradição das grandes matilhas de “cães selvagens”, que atacavam terneiros, gado miúdo ou pessoas a pé. 
Já no Extremo Oriente a história era bem diferente. Lendo ainda há pouco um livro de viagens do explorador inglês James Cook, o prestígio dos cães, em algumas ilhas da Oceania, era o de alimento dos nativos, rivalizando com os porcos, nesse particular. E os próprios ingleses tiveram de experimentar a iguaria, não muito a gosto, mas afinal elogiando-a. Na Coréia do Sul consta que ainda se consomem na mesa 2 milhões de cães por ano, segundo informa o Google. Mas não sei se conviria divulgar essa informação em alguns bairros pobres da nossa periferia, onde a desejada e necessária ração proteica é quase desconhecida.

7 comentários:

Anônimo disse...

Amigos:
Sem jornal para escrever, este escrevinhador compulsivo volta a atacar leitores incautos. Abraço do Sérgio

Fernando Paulo G. De Castro disse...

Caro Sergio
Este seu leitor estava aqui aguardando a crônica.
Obrigado e grande abraço

Regis Burmeister disse...

Dr. Sérgio, esta crônica me remeteu ao grande cronista dos tempos do Correio do Povo!
Obrigado!

Gilberto disse...

Muito boa. Paarabéns.

Unknown disse...

Caro José Alberto, gostei muito da crônica do nosso conterrâneo, Sérgio da Costa Franco. Ele quase que descreve a vida diária de nosso Bairro. Parabens e um abraço.Hunder

Unknown disse...

Caro colega e amigo JASouza,
Também gosto de expressar pelas letras, o humanismo quotidiano. Vejo, na minha praça, todas as manhãs, fatos pitorescos envolvendo a cachorrada, no bom sentido. Chega a ser cômico a discrepância, ou a semelhança entre os agentes. A População humana, pelas estatísticas, aqui neste País, tende a estabilizar a partir de 2040. E depois? Talvez reduzir! Parece estar havendo uma espécie de substituição de humanos por entes caninos de variados portes. As famílias terão outras composições... Antevê-se novas preocupações para os Institutos de Estatísticas, e também, é evidente, para nós os humanos.

João Pompilio Neves Pólvora disse...

Parabéns, dr. Sergio.
É um lazer agradável ou uma viagem ao território do dia a dia suas matérias bem diferente de nossos jornais que andam muito técnicos ou trágicos.
Esperando a próxima.