quinta-feira, 13 de março de 2008

Teorema para quem gosta de filosofar...

Imagine uma mulher: corpo de manequim, chapéu de feltro e blazer creme e o marrom da saia justa, da bolsa e dos sapatos. Agora tome duas tábuas de palmo e meio, juntas, espessura reforçada; suspenda-as por cabos de aço descendo do alto de um edifício, deixando-as porém situadas a uns trinta metros da base. Pois bem: suponha esta mulher em pé sobre as tábuas, agarrando-se a um dos cabos, numa tremedeira que balança de modo perigoso a armação. Embaixo uma multidão olhando para cima, o trânsito na rua interrompido.
- O que aquela louca está querendo fazer? – perguntem os assistentes tão curiosos em sua expectativa quanto nós em dar desfecho a esta história. Mas prossigamos: um sol, e bote solaço nisso, daqueles do início da tarde, tornando mais inusitado o acontecimento. Que ela se chame Madalena, não a arrependida, mas sim a enjoada como a considerem as pessoas de seu conhecimento. Ah, íamo-nos esquecendo, que esta criatura haja rodado muitos quilômetros nas caronas da vida, bastante necessitada de um novo condutor para sua máquina, já queimando óleo.
- Como teria chegado ali? – Que o interrogatório persista mais ainda com toda essa enrolação e você desate o nó: que Madalena, recém chegada de Paris e ansiosa por contar as novidades da viagem, convide as colegas do curso de línguas para um chá no seu apartamento; que estas, enciumadas e indiscretas em seus cochichos, combinem mudar de assunto caso a França venha à tona.
- Por que aquele andaime naquela altura? – Que as pessoas aqui embaixo continuem desconhecendo a questão, enquanto nós já tenhamos esclarecido alguma coisa com este exercício. Que possamos retroceder para vermos no andaime um sujeito alto, espadaúdo, cabelos grisalhos, vestido num macacão branco todo manchado, com aquele boné da Casa das Tintas, dando umas batidinhas no vidro da janela e, frouxo da bexiga, querendo pedir licença para usar o banheiro.
- Desde quando ela se mantém naquela situação? – Que a massa abale-se com o drama e nós, mais próximos de chegar a um termo, assistamos na sala as dondocas e sua permuta de farpas. Madalena, fascinada, abra a janela e deixe ele entrar embaraçado pela necessidade fisiológica. Tanto suas amigas insistam em ignorá-la, que ela passe ao exterior, gozando mais esta experiência. Que as outras fiquem mordidas de ciúme.
- Onde estão os responsáveis para tomarem providências? – Tanta pergunta, nenhuma resposta. E que nós sejamos as testemunhas implacáveis dessa tragicomédia urbana: o retorno dele a seu posto de trabalho, a surpresa vendo-a no andaime.
– Oi, dona, deixa eu continuar o serviço.
E ela no instante crucial de sua glória, naquele gostinho de quem conquista o poder, esnobando o triunfo incontestável, tanta atenção voltada para si:
- Hipólito, meu gatão, tira-me daqui!

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