quarta-feira, 10 de setembro de 2008

LE VALETE... ( I )

Antoine e eu éramos pilotos de prova em caças Mirage, na França. Velhos parceiros, costumávamos voar junto testando os aviões da fábrica. Nessa época, já andávamos bastante traumatizados com as constantes ocorrências de acidentes em várias partes do mundo com jatos daquele tipo. Foi quando fomos encarregados de conduzir dois aparelhos para teste na Força Aérea Brasileira. Pensamos então que ali estava a oportunidade de nos acomodar e usufruir de um ócio conseqüente de nossas reservas financeiras acumuladas durante anos nessa arriscada atividade profissional. No Brasil, acreditávamos que levaríamos uma vida de nababos e bem mais tranqüila - il a déjà pensé dans la brise des vertes mers en équilibrant les cocotiers des plages ensoleillées? - conforme Antoine insistia sempre batendo na mesma tecla para me convencer.
Transcendendo a nossa ligação profissional, havia ainda uma antiga amizade que nos aproximava diuturnamente, as nossas diferenças complementando um ao outro. Assim eu, um pacato celibatário, não era lá muito dado a conquistas amorosas e sim mais chegado a visitas esporádicas aos conhecidos e familiares, em cujo círculo sempre fui bem recebido, compensando dessa forma a necessidade de uma companhia mais íntima. Já Antoine vivia há alguns anos com Michelle, compartilhando os breves momentos que cada um dispunha do seu tempo, cuja maior parte gastavam nas tarefas desempenhadas. Algumas vezes, eu costumava freqüentar o apartamento deles, quando me convidavam para o jantar preparado a capricho por Michelle. Ela sempre me dizia que adorava minha conversa fluente e espirituosa, que eu era o amigo mais assíduo e pronto para aconselhá-los no que fosse requisitado.
Numa dessas ocasiões, Antoine aproveitou-se da minha presença a fim de propor para Michelle largar as suas massacrantes tarefas e desfrutar de um convívio mais intenso junto a ele, através de uma radical mudança de hábitos. Falou-lhe então dos planos que pretendia realizar comigo de nos estabelecer no Brasil, após conduzir os dois caças que seriam testados pela Aeronáutica daquele país, de onde não deveríamos voltar; que ela poderia seguir para lá assim que pudesse. Para minha surpresa, Michelle revelou na hora para Antoine sua concordância com tudo àquilo que estávamos premeditando.
Passados alguns dias, logo chegávamos à Base Aérea do Galeão, no Rio de Janeiro, onde deveríamos permanecer certo tempo em missão de treinamento e instruções aos pilotos brasileiros, habilitando-os a testarem as aeronaves recebidas para aprovação técnica de futuras encomendas. Terminado o estágio na Base, então podíamos providenciar no aluguel de uma casa para Antoine fixar sua residência, pois ainda dispúnhamos de longo prazo na validade dos vistos de estadia provisória em nossos passaportes. Depois era só esperar a vinda de Michelle.
Nem se completara um mês, Antoine comunicou-me a notícia de que Michelle já estava pronta para embarcar, depois de se desembaraçar dos seus compromissos na França, inclusive recebendo proposta da própria empresa jornalística para exercer a função de correspondente no Brasil, não precisando envolver-se em demasia com aquelas responsabilidades inerentes à sua ocupação anterior em Paris. Até aqui tudo parecia correr às mil maravilhas, afora o entusiasmo exagerado de Antoine que já me esgotava a paciência quando repetia monotonamente a mesma conversa de sempre, sem que se desse conta desse ato involuntário:
- Je ne lui ai pas dit, M. Phillipe, maintenant est seul de penser dans la brise des vertes mers en équilibrant les cocotiers des plages ensoleillées?
( c o n t i n u a )

Um comentário:

Anônimo disse...

Ilustre Poeta,
O senhor está a revelar-se um contista de mão cheia!
Faço votos para que os senhores aviadores não sejam assaltados no Rio, a fim de que a história chegue a bom termo....