domingo, 26 de abril de 2009

Desperdício: malefício ou benefício?

Início dos anos sessenta, o colega Jaroslav Kohut e eu, estudantes de Engenharia, costumávamos almoçar no Restaurante Universitário, o famoso RU, que se situava na Avenida Azenha, hoje sede do Instituto de Identificação da Secretaria de Segurança Pública. Na época, as refeições eram servidas mediante o pagamento simbólico de um pila. Isso mesmo, um cruzeiro e dos velhos, sem tirar nem por. ************************************************************ Certa ocasião, estávamos sentados a uma das mesas, deixando dois lugares desocupados até que duas moças pediram licença e se abancaram à nossa frente. E sem qualquer cerimônia, elas passaram a prosear as suas futilidades sem se importarem com a alimentação. Enquanto isso, nós garfávamos bem dispostos, saboreando arroz, carne, massa, salada de cada uma das divisões da bandeja. ************************************************************ Quando nos preparamos para encarar a sobremesa, uma das moças falou para a outra que não valia a pena esperar porque o fulaninho não ia dar com as caras e as duas saíram, com as bandejas completamente intactas em direção a janelinha de despejo, quer dizer, jogando fora duas refeições subsidiadas. ************************************************************ Posteriormente, tive oportunidade de passar pelos fundos do RU que davam para a Rua Lima e Silva, presenciando a enorme fila de pessoas necessitadas, as quais iam buscar os restos destinados ao lixo. ************************************************************ E olha que isto não constitui nenhuma novidade, basta que se atente ao que acontece na hora em que restaurantes, e até supermercados, fazem o descarte daqueles produtos que não tem mais proveito, muitos deles até mesmo negociando-os a preço de banana. ************************************************************ Também doutra feita assisti a passagem de um caminhão coletando as sobras alimentares num dos corredores da fábrica da Ford em São Paulo, na época em que trabalhei por lá, e notei um dos recolhedores separando uma coxa de frango para colocar num saco plástico pendurado na viatura. ************************************************************ Lembro-me que a minha tia e mãe de criação, Florisbela de Souza Resem, sempre me dizia para não rejeitar o que poderia estar faltando num outro prato. E tanto bateu nessa tecla que acabei me tornando um autêntico arrastão como me chamava um saudoso amigo. ************************************************************ Tais considerações vêm a propósito de uma mensagem repassada pelo amigo Guilherme Braga: ESTE VÍDEO É UMA MANEIRA DE VALORIZARMOS O MUITO QUE TEMOS E O POUCO, OU QUASE NADA, QUE FAZEMOS POR NOSSOS SEMELHANTES (video vencedor na categoria "Escolha Popular", do Green Unplugged Film Festival). Podem clicar sem medo, já testei o link http://www.cultureunplugged.com/play/1081/Chicken-a-la-Carte

3 comentários:

cabeda disse...

Olha, Souza, quadros semelhantes a esse são encontrados não só no "terceiro mundo", mas, também na rica Europa! Já vi cine-jornais mostrando o povo que aguarda o encerramento dos supermercados para catar o que foi descartado...
Quanto á fila das traseiras do RU, precisavas ter prestado o serviço militar para saber que deixávamos de repetir, afim de que sobrasse para as crianças que, diariamente, ficavam no portão das armas à espera das sobras (não restos) dos panelões.
Abraços
Cabeda

Guilherme Braga disse...

Meu caro Souza:
Parabéns pela crônica, que não só revela a tua sensibilidade como também o costume sistematizado da transferência dos restos dos desperdiçadores para os famintos, aqui na nossa Porto Alegre como naquele lugar mostrado no documentário. Mas o comentário a que tu te referiste não é meu. Eu apenas o repassei, porque o achei bom. O meu é o que está aqui abaixo, endereçado à minha amiga Giselda, que me enviou o documentário.
Abraços,
GB.
Fiquei meio que anestesiado. As imagens são chocantes, embora eu já tenho visto gente catando lixo aqui no meu bairro, a procura de comida. Mas a alegria das crianças comendo aqueles restos é algo profundamente comovedor. A gente se sente meio culpado e ao mesmo tempo impotente diante dessa triste realidade. E vem a pergunta: o que eu posso fazer e como fazer?

Helena Ortiz disse...

Querido Souza, o texto é impecável, no teu estilo já conhecido. Estamos tratando das mesmas coisas, cada um do seu jeito. E, ao que parece, com pouca gente com paciência para mudar.
O desperdício é comum entre nós. Me disse um dia uma terapeuta, que era judia, que isso se devia ao fato do Brasil não ter vivido a guerra. Pode ser.
Pode ser falta de educação mesmo. Acho que é mais por aí.
Grande abraço,
Helena