segunda-feira, 13 de abril de 2009

A emissora da integração nacional



Que a Rádio Nacional do Rio de Janeiro exerceu, na época de ouro da nossa radiofonia, influência tão ou mais expressiva em todo território brasileiro como a Rede Globo de Televisão nos dias atuais, é fato incontestável. Que o diga o narrador esportivo da Rádio Record de São Paulo, Edemar Annuseck, ouvinte declarado nos tempos da sua infância daquela emissora, a qual teria lhe despertado a sua inabalável paixão pelo microfone. Atrevo-me até a presumir que aquela Rádio também proporcionou, a esse menino criado numa região colonial de Blumenau, os meios que lhe facilitaram o aprendizado da língua portuguesa, cujas primeiras palavras começou a balbuciar aos sete anos de idade, quando já narrava, empoleirado num pé de tangerina, jogos de futebol de botão com uma lata de fermento Royal próxima à boca, quem sabe espelhando-se nos ídolos Antonio Cordeiro e Jorge Cury. 

De minha parte, posso asseverar com o meu testemunho do quanto a Rádio Nacional acariocava as preferências do ouvinte, numa época em que ainda nem se falava na tal de aldeia global. Lá em Jaguarão, uma das cidades mais meridionais do Rio Grande do Sul, fervilhavam as discussões nas rodas de rubiácea do Café do Comércio, situado na esquina democrática da 27 de Janeiro com Andrade Neves, em que o predominante assunto dizia respeito ao Campeonato Carioca (olha aí as resenhas esportivas), suas grandes agremiações, seus famosos atletas. 

Na época, o bicho-papão era o Vasco da Gama, de torcida bem mais numerosa na cidade e que quase aderi extasiado por uma fotografia do ataque Tesourinha, Ademir, Ipojucâ, Maneca e Chico (dois gaúchos em cada ponta). Porém, em fanatismo essa torcida não se comparava a do Fluminense que logo escolhi como clube de minha preferência. Nesta, privei do convívio com os figuraços Dair Nunes (o Zazá) e Odilo Lopes que se diziam íntimos dos atletas tricolores, procurando esses nas concentrações dos hotéis de Porto Alegre e Montevidéu, sempre que podiam. 

Pois em 1951 cheguei a fazer promessa de que se o Fluminense saísse campeão naquele ano, raparia a cabeça de todo e qualquer fio de cabelo e não é que o danado desse tricolor levantou a Tríplice Coroa (profissionais, aspirantes e juvenis), quer dizer – barba, cabelo e bigode – até parece que fui o precursor dessa onda dos carecas. Castilho, Píndaro e Pinheiro – Vitor, Edson e Lafaiete – Telê, Orlando, Carlyle, Didi e Quincas era o timaço daquele ano. Carlyle, hein? Artilheiro do certame com 12 tentos. 

Já em 1953, cai na asneira de querer tirar vantagem com o cruzmaltino Espelhinho, garçom do Café, num jogo entre Vasco e Fluminense (me dá um golo que eu aposto no Flu), ao que o desafiado resolveu inverter a jogada (então fica tu com o Vasco e me dá um golo): deu Vasco um a zero e terminamos empatados. O fato chegou ao conhecimento do ardoroso Odilo Lopes que não admitia um companheiro de torcida apostando contra o seu time e ele logo convocou alguns aficionados para julgar minha atitude. Assim, num júri simulado que se prolongou a noite inteira no Café do Comércio, fui sumariamente expulso das hastes tricolores. Devo dizer que acatei o veredito com serenidade, declarando que a partir daquele momento passaria a torcer pela novel Portuguesa, que então surgia treinada pelo Zoulo Rabello, ex-técnico de vôlei e um dos introdutores da marcação por zona no futebol. 

Na semana seguinte, estreia daquela equipe no Campeonato Carioca, justo frente ao Fluminense. E sabem que então o tricolor das Laranjeiras marchou solenemente... Por um bom tempo, como que por encanto, os meus acusadores sumiram das minhas vistas.

3 comentários:

Hunder Everto Corrêa disse...

Caro José Alberto:
Sugiro publicares em livro todas essas lembranças que, com fácil desenvoltura colocas em teu repertório.
Um abraço. Hunder.

Lino Tavares disse...

Pois é, meu caro Poeta das Água Doces. Enaquanto na sua Jaguarão, vocês se 'acariocavam' ouvindo a Rádio Nacional, na minha pequena Arroio dos Ratos (60 Km de Porto Alegre), a gente era todo ouvidos para as duas potências do rádio gaúcho: as rádios Gaúcha e Farroupilha, com a Difusora, a Itaí e a Guaíba correndo por fora. Nosso "Fantástico" cego, aos domingos, era o Grande Rodeio Coringa, comandado por Darcy Fagundes,irmão dos meus amigos Bagra e José Augusto, autor e compositor do Canto Alegretense. Lembro-me bem dos quadros do programa: Tinha as 'Invernadas' das Duplas e Trios, dos Gaiteiros, dos Declamadores, das Trovas e, para variar, uma apresentação especial da dupla Pinguinho (a Minhoca Solteirona) e Walter Brodha (o alemão Barriga de cahcorra velha). Na narração esportiva, Euclides Prado e, mais tarde, meu saudoso amigo Mendes Ribeiro e Pedro Carneiro Pereira (falecido pilotando em Tarumã) eram as vozes de ouro da radiofonia. Naquele rádio genuinamente gaúcho, ouviam-se novelas famosas, como O Direito de Nascer, Legião dos Esquecidos e inúmeras outras, nas quais eu costumava me apaixonar por atrizes de voz linda, que eu imaginava fisicamente também lindas. Escrevia pedindo-lhe fotos e todas me enviavam, algo que tenho comigo até hoje. Claro que, nessas fotos, havia decepções, pois várias delas não eram nem sobra daquela beleza feminina que eu imagava. Na década de 1970, quando me formei jornalista na PUC, fui trabalhar como redador de notícias da rádio Gauíba, onde produzi textos do Correspondente Renner, que era apresentado pelo Euclides Prado, que já não atuava mais como narrador esporivo. Nos primerios meses de "foca", atuei também na produção do "Camisa 10", da TV Difusoa, comandado por Ari dos Santos. Quando Valdomiro recebeu a informação, num treino no Beira-Rio, comandado por Minelli, de que fora convocado para a seleção de 74, eu estava lá a serviro da TV Difusora. Apenas para dar um exemplo de o quanto a gente era ligado no rádio esportivo da época, vale dizer que eu aprendia as escações de todos os times do campeonato gaúcho, cuja maioria sei até hoje, como essa do Airmoré de São Leopoldo: Dioly, Beiço e Sílvio; Piranha, Kim e Toruca; Dario, Alfreu, Amaro, Fernandes e Marino. Beiço era meu conterrâneo de Arroio dos Ratos. Kim e Alfeu eram irmãos de Alcindo, centro-avante que o Grêmio 'roubou' das categorias de base do Inter. Marino, se destacou depois, jogando no Grêmio.
Até os cartolas da época a gentre decorava, como Paulo Mincarone, presidente do Cruzeiro, Selvírio Rodrigues, do Renner, etc.
Por hoje é só.
Abraços
jornalista Lino Tavares
Com paragens no Alegrete, no Portinho dos Casais e na Laguna, de Pedro Raimundo e Anita Garibaldi.

Lino Tavares disse...

Nobre Poeta das Águas
Doces.
Olha eu aí de novo, para reparar um lapso, em breves palavras. Sua matéria postada no Blog é de uma riqueza extraordinária. Aprendi muito com ela, como sempre, pois - já falei isso - eu não tinha o mesmo acesso, na época, ás emissora cariocas. Parabéns. Continuo ligado nessa Blog que jorra cultura do cabeçalho ao rodapé.
Abçs.
Lino Tvares