quinta-feira, 17 de julho de 2014

QUEM DIRIA: * ESTA GENTE ANDOU POR LÁ (II)


Grande ator do teatro rio-grandense, natural de Jaguarão, Joberto Teixeira levou à cena, no Teatro Esperança, o monólogo “As Mãos de Eurídice”, a mesma peça com que foi aplaudido de pé no principal palco do nosso Estado – o São Pedro, de Porto Alegre. Fiquei sabendo, através de uma emocionante crônica do Professor Cléo dos Santos Severino publicada no jornal “A Folha”, lá pelo fim dos anos cinquenta, que o espetáculo foi realizado para uma restrita plateia, mas que no dizer desse articulista com a presença de um casal de idosos, nada mais nada menos que os pais daquele artista, lotavam todo o espaço vazio daquela casa, dada a feliz oportunidade deles assistirem a magistral interpretação do seu talentoso descendente.
Outro momento mágico do nosso Cine Teatro Esperança me foi relatado pelo saudoso amigo Newton Silva, quando ali se apresentou o notável cantor e compositor Rubens Santos, já falecido, um dos parceiros de Lupicínio Rodrigues, então cumprindo uma turnê artística patrocinada pelo Governo do Estado, provavelmente acertada pelo empreendedor Danilo Brum, o qual integrava o Conselho Estadual de Cultura. Pois o Newton me enfatizou que esse espetáculo foi dirigido a uma meia dúzia de assistentes, os quais chegaram a sentir pena de tantos ausentes que deixaram de conferir um dos mais abalizados intérpretes do velho Lupi. Compreendi perfeitamente essa colocação, tendo acompanhado o veteraníssimo Rubens em inúmeras performances no antigo restaurante do CIB – Centro Ítalo Brasileiro, situado na Rua João Teles, bairro Bonfim, que costumava reunir às segundas-feiras a nata da música rio-grandense, ocasiões em que abusava de sua potência vocal, sem utilizar qualquer microfone.
Os tópicos acima transcrevi de crônica aqui publicada em 28/11/2010 e intitulada “Vivenciando instante privilegiado”. Feito esse reparo e aproveitando a deixa, ocorre-me uma passagem que me contaram sobre o desempenho do radialista Wilson “Catico” Almeida, filho da terra que ousava desafiar o dito “santo de casa não faz milagre”, representando naquele palco o difícil monólogo de Pedro Bloch, tantas vezes levado à cena pelo famoso artista Rodolfo Mayer, da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Disseram-me que os invejosos de plantão se combinaram para lotar o Esperança a fim de lhe contemplar com uma estrondosa vaia. Mas o que se viu, ao final, foi uma longa e calorosa aclamação de todo o público ali presente.
Aqui já andei falando daquela ocasião em que tio Cantalício me levou para assistir a uma peça no Teatro, da qual teve que se retirar mais cedo porque eu comecei a bater pé como fazia nas matinês do cinema. Ou então daquelas vezes em que, ainda garoto miúdo, insistia com meu primo Anysio, já moço taludo e namorador, que me levasse nas noites de segunda-feira ao Cine para assistir aos seriados do Tom Mix e, já na outra semana, era ele quem vinha me perguntar se eu não ia ver a continuação do folhetim. Vendo as chanchadas da Atlântida, impressionava-me com a interpretação de Silva Neto para Nervos de Aço, cuja autoria ignorava fosse de Lupicínio Rodrigues, ilustre desconhecido para esse analfabeto musical.
E a ZYU-7 Rádio Cultura de Jaguarão tinha seus programas vesperais de calouros, aos sábados, ali apresentando as atrações locais, onde pontificavam o regional dos filhos do seu Agostinho – Canhoto, Lourenço e Moacir – e mais o violonista Nery Antonini, além de Napoleão, Severo e Adalberto Mendes, notáveis seresteiros, cuja fama se propagava por toda nossa Zona Sul do Estado, estendendo-se Uruguai adentro.
Finalizando esta lição de casa, para descontrair, um episódio hilário. Uma tremenda bofetada ecoa pelo recinto e lá da galeria (“poleiro”) alguém grita: “Afofaram o Adem!”. A projeção do filme é interrompida, acendem-se as luzes da plateia e, lá de baixo, ressoa o brado do melindrado dengoso: “Que ovo!” Acústica perfeita, surgia mais uma das expressões típicas do “jaguarês”...
E o resto fica a cargo das memórias vivas de Cláudio Ely e Pedro Bartholomeu.

4 comentários:

Carlos José de Azevedo Machado disse...

Mais uma vez, impecável nas suas lembranças transformadas em letras. Hoje estive no Instituto Histórico e Geográfico de Jaguarão onde digitalizei (fotografei) muito material. Quando for catalogar o material, talvez ache alguma notícia sobre estes momentos citados em sua rememoração. Grande abraço ao PoetadasÁguasdoces.

Hunder Everto Corrêa disse...

É lamentável que Jaguarão nunca prestigiou seus artista, tanto na literatura, como na arte e até no futebol. E as apresentações no Cine Theatro Esperança bem demonstram esse descaso com seus filhos.

Eulálio Delmar Faria disse...

Meu caro amigo: não creio que fosse apenas em Jaguarão que não se valorizasse as pessoas. Alguém que carregasse um violão naquela época já era tido como malandro. É muito interessante teu texto. Ainda hoje os melhores artistas para os jovens são os estrangeiros que cantam algo que além de ruim como melodia e harmonia não é entendido como letra

Pedro Antônio Corrêa disse...

Prezado amigo Joalso, a quem tive a honra de conhecer e admirar no ano passado no feliz encontro em Florianópolis. Gostei também deste seu texto, que bem poderia chamar-se "Retalhos históricos de minha terra". Jaguarão deve sentir orgulho deste filho. Parabéns!