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Prédio antigo do "Julinho", na Avenida João Pessoa, destruído por um incêndio em 1951 |
Fevereiro de 1956. As férias perdidas,
ocupei-me durante todo o tempo a decifrar o enigma da Química Inorgânica,
reservando alguns dias antes de começar os exames de segunda época para fazer
uma revisão na matéria de Geografia. O professor Procópio Mariath foi quem
formulou as questões de Química. Dominando o assunto, consegui minha aprovação
com nota nove. Faltava, no entanto, acertar as contas com Dona Geografia para
conseguir ingresso no segundo ano. E, como havia subestimado mais essa
preparação, não logrei alcançar meu intento.
Diante desses resultados, busquei uma
nova matrícula no 1º ano Científico. Na Secretaria do Colégio, informaram-me
então que as inscrições já estavam encerradas desde dezembro do ano anterior.
Tentei argumentar que, naquela data, ainda dependia de novos exames para saber
em que série deveria estudar. A atendente me falou, na ocasião, da matrícula
condicional que eu desconhecia e me sugeriu que encaminhasse à Direção aquele
meu pleito. Recebeu-me a professora Mery Fagundes, de quem eu fora aluno de
Espanhol. Expus a ela todo o equívoco causado pela inexperiência de jovem
interiorano, desorientado na Capital. Depois que me ouviu, a Diretora achou que
deveria levar ao Conselho o meu caso: seria difícil, não poderia prometer nada,
que eu a procurasse daí a dois ou três dias. Decorrido o período, saí no
encalço da professora Mery; encontrei-a saindo da cantina, quando me relatou a
decisão do Conselho: em consideração ao meu comportamento como aluno esforçado,
houveram por bem abrir um precedente e aceitarem minha matrícula fora do prazo.
Que eu não perdesse tempo, passassse logo na Secretaria e acertasse tudo.
A repetência me proporcionou excelente
oportunidade de consolidar o aprendizado precário do ano anterior e me deu mais
segurança para assimilar os conhecimentos posteriores: meu desempenho escolar
melhorou sensivelmente. Mais feliz ainda fiquei em continuar mais um ano como
aluno de Espanhol da professora Mery. Os resultados foram tão estupendos que,
antes de findar o ano letivo, a cara mestra me chamou para comunicar que, junto
com outros dois colegas, estava concorrendo a uma bolsa de estudos patrocinada
pelo Consulado de Espanha e que, até aquele momento, liderava a disputa,
dependendo apenas dos exames finais para vencer a corrida.
A preparação das provas era árdua e nos
exigia imenso esforço, com o que a gente ia cansando à medida que avançava nos
exames realizados. Espanhol era uma das últimas provas, se não a última. Já
estava com boa média e não precisava me empenhar; daí uma nota razoável, sem
brilho, resultado que me tocou, como prêmio de consolação, o livro “Garcia
Lorca”, de Edgard Cavalheiro, ofertado pela Companhia Editora Nacional.
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Os bico-de-pato da Engenharia |
A professora Mery colecionava chapéus de
calouros universitários, seus ex-alunos. A fim de resgatar uma grande dívida de
gratidão, levei-lhe meu bico-de-pato da Engenharia,
Baixo e magro era o Pinto Lima,
professor de Geografia da nossa turma. Naquela época, ele costumava gravar as
suas aulas e as reproduzia para a classe. Creio que deveria utilizar um
gravador portátil de fita de rolo. Apenas escutávamos aquelas suas lições,
através da voz metálica do aparelho, na primeira metade do período, após o que
ele costumava escrever no quadro negro um resumo daqueles pontos. No primeiro semestre,
comecei a empilhar notas 10 em todas as sabatinas, inclusive no exame do meio
do ano. Entusiasmei-me de tal modo que decidi me laurear em Geografia, essa
megera que me deu rasteira no ano anterior. E o negócio continuou indo bem até
a última sabatina do ano, quando alcancei um nove. Eram dez questões que as
respondi todas, com exceção de uma por não constar em meus apontamentos, os
quais tinha todos na ponta da língua. Fui reclamar ao professor Pinto Lima que
aquela questão não havia sido abordada em aula. Ele consultou o livro de
chamada e lá estava anotada a matéria completa. Retruquei-lhe que eu não havia
perdido nenhuma das suas aulas, vinha anotando todos os pontos e tinha absoluta
certeza de que fora omitido aquele assunto.
Teimoso, ele não deu o braço a torcer e até me disse que alguns colegas
haviam respondido a dita questão. Achei por bem encerrar a discussão por ali
mesmo, pois sabia que aqueles colegas costumavam faltar às aulas e haviam
copiado o tal ponto de outra turma, na qual não fora omitido. Faltavam ainda
algumas aulas para encerrar o ano letivo; deixei de frequentar as preleções desse
descuidado mestre e, no exame final, apenas compareci para entregar a prova em
branco, pois já tinha média suficiente para aprovação.
(in "Julinho 100 Anos de
História"/Org. O. R. Lima e P. F. Ledur. - P.Alegre : AGE, 2000).
8 comentários:
Achei muito legal o teu blog na rápida olhada que dei.
Teu estilo de escrever é uma forma muito pessoal e marcante.
Parabéns Souza!
Um grande abraço
Jaqueline
És um memorialista, espécie rara e essencial para a preservação da memória e estímulo ao conhecimento. Grande abraço.
Oi Souza,
Neste final de semana reli A borra de café, do Mario Benedetti. E agora ao ler teu texto, me lembrei logo dele. A diferença é que o teu texto é mais completo, vai aos detalhes. Parece que estás vivendo hoje o que há tanto tempo se passou. É sinal que o aprendizado ficou, não há dúvida. E também tocou.
grande abraço
Souza, o 1º ano do Científico foi um choque, também para mim, Física, Química, Matemática, mas logrei aprovação. Sou inteiramente solidário contigo.
Em Espanhol, a professora, hoje com 93 anos de idade, era a Cônsul do Uruguai na cidade e, na entrega das notas da primeira sabatina, declarou que, pela primeira vez, havia dado nota 10 para uma prova, a minha...
Confesso que estranhei aquela “primeira vez”, porque achei matéria muito fácil, sempre obtendo notas elevadas. Enfim...
Quanto à Geografia, era velha amiga desde o Ginásio. Aprendi a dela gostar através de um oficial do Exército, que aconselhava o estudo munido de um Atlas! Elementar, não? O resto veio ao natural.
História, nem é preciso falar. Gosto não se discute...
Abraços
Caro Amigo JASouza,
Lembranças importantes, essas que cultivas. Na verdade elas nos confortam nessa fase da vida. Lembro do Prof. Luiz Carlos Santana do Colégio Duque de Caxias, onde cursei também o Científico. Ele foi meu professor de Física, assunto que me atrai até hoje. Pois o encontrei num evento em 2008, revivemos momentos distantes e até tiramos fotografias juntos, no alto de seus 85 anos. JASouza, um abraço e continue escrevendo.
Vasco,14l2l4.
Caro José Alberto.
Muito lindo o teu reconhecimento aos velhos e amáveis mestres.
Mais uma vez demonstras o teu entusiamo pelo estudo e a garra implacável de vencer.
Parabens.
Gostei muito da sua homenagem a seus velhos professores. Parabéns.
Tio Zezinho, como é bom ler estes seus textos. Este mesmo eu já tinha lido alguma vez (em algum dos seus livros, possivelmente). E descobri que ler de novo sempre é uma nova experiência fantástica neste mundo literário, mas também dentro de uma realidade que vive através destes relatos. Grande abraço.
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