quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

PARA HONRAR: PROFESSORES DO JULINHO (I)

Prédio do Arquivo Público do Rio Grande do Sul, na Rua Riachuelo, em Porto Alegre.

Março de 1955. Primeira aula no Júlio de Castilhos, ali estava eu, um dos privilegiados que ingressara no educandário, valendo-se da condição de oriundo de ginásio estadual e, portanto, dispensado do exame de seleção para o curso Científico. Com problemas auditivos, escolhi uma das classes bem à frente. No estrado, sentado à mesa, o professor Magadan tinha acabado de fazer a chamada dos alunos; olhou para mim e me convocou para chegar ao quadro negro. Com ar enérgico, ordenou-me para traçar uma reta na horizontal, dispondo para tanto de uma régua. Depois, deu-me um compasso, para dividir ao meio a reta. A prova me era desconhecida e tentei resolvê-la com o compasso fechado, utilizando-o como unidade de medida: deu um compasso e mais uma parte que marquei a giz no mesmo. Aí, comecei a medir a palmo e a dedo o compasso... O mestre gritou: “pode parar por aí”. Em seguida, perguntou-me: “de onde você vem”? Respondi-lhe que de Jaguarão. A classe inteira caiu na gargalhada, um gaiato do fundo, exclamou:
– Aí, Jaguarão!
– Silêncio, vamos fazer silêncio! – Era o Magadan botando ordem na aula.
O pessoal então se aquietou para ouvi-lo falar:
– Eu posso chamar qualquer um de vocês aqui na frente e estou certo de que irão desempenhar bem pior do que este rapaz. Infelizmente, essa é a realidade do nosso sistema de ensino no Ginásio.
Porém, o estrago já estava feito: ganhei o apelido de Jaguarão, que tive de carregar durante todo o tempo em que estive no Colégio Estadual Júlio de Castilhos e mais ainda na Escola de Engenharia da UFRGS, aliás, com muito orgulho.

Aquele meu primeiro ano no Júlio de Castilhos foi terrível como período de adaptação. Imensas dificuldades em Química e Física, aos trancos e barrancos nas demais matérias, com exceção de Desenho e Espanhol (era da Fronteira, tinha que dar banho), nas quais me destacava. O Julinho na época funcionava no prédio do Arquivo Público, na Rua Riachuelo, e tinha comunicação com os fundos do Teatro São Pedro.
As aulas à tarde eram de turmas masculinas e, de manhã, femininas. Bilhetinhos deixados nas classes, iniciavam-se romances. Às 13 horas, eram feitas as primeiras chamadas. No verão, aulas modorrentas, duras de suportar. O professor Athaualpa Ig Cibils, adepto da decoreba (para aprender Química tem que decorar), no primeiro período, pedia-nos um pouco de paciência para dar a matéria nos quinze minutos iniciais, reservando os restantes para uma sesta geral, que ele liderava no maior dos roncos.
Devo confessar que a Química Inorgânica não correspondia a todos os meus esforços: a única prova em que consegui alguma nota foi decorrente de uma questão sobre cálculo estequiométrico, álgebra pura, o meu campo; de resto, zero, zero e mais zeros. Fim de ano, lutava para defender a média que me possibilitaria a chance de uma segunda época. Já tinha rodado em Geografia, cada pontinho nas demais matérias era importantíssimo para atingir meu objetivo. No exame oral de Português, tive uma sorte tremenda: detive a estudar sobre a Língua Portuguesa no mundo, e este foi o ponto que me tocou para dissertar. E os três mestres, cada um com seu examinando, pararam a me escutar na explanação. A professora Idália, decepcionada com seus pupilos que me antecederam até aquele momento, dispensou-me então do seu exame, dizendo que acompanharia a média dos outros integrantes da banca, por sinal uma boa nota. E lá fui eu, dois ou três dias depois, enfrentar o oral de Química.
O mestre Athaualpa detestava desperdiçar suas férias num exame de segunda época. Assim, foi-me dando as suas indiretas para saber com quantos paus eu faria minha canoa. “Não tem jeito, professor, qualquer nota que me der, serve”. E ele insistindo até que lhe revelei – onze. “Mas como, seu cretino, e ainda tens coragem de  comparecer aqui; manda-te e vê se não aparece mais na minha frente”. Saí com o rabo entre as pernas. Quando as notas foram publicadas, verifiquei aquele meio ponto, para me arrasar mesmo.
Daí, passei a concentrar todos os meus esforços em Física, a última prova, a esperança derradeira. Joguei todas as minhas fichas nesse jogo. Terminado o exame, conseguimos com o professor Dillenburg para fazer a correção logo em seguida. Uma hora depois, abriu-se a porta da sala trancada e surge o mestre com um pedaço de papel na mão. “Deu, deu, deu, não deu, deu”... – ele informava se a nota necessária tinha sido alcançada ou não. A periódica 6,666... delimitava a minha linha fatídica e tinha dado, o que depois veio a ser confirmado na correção final – 6,67. Dessa forma, com média de 5,0006 garanti aquela segunda época. 

(in "Julinho 100 Anos de História"/Org. O. R. Lima e P. F. Ledur - P.Alegre: AGE, 2000).

4 comentários:

Corálio B.P. Cabeda disse...

Parabéns, Souza, interpretaste toda a angústia de quem passou maus bocados na transição do Ginásio para o Científico...

Anônimo disse...

Parabens pela tua luta e teu esforço para vencer as adversidades.
Hoje, como escritor e Engenheiro, colhes os frutos da tua garra trazida lá de Jaguarão onde aprendestes a lutar com destemor e objetivos bem definidos.
Um abraço, Hunder

Academia de Letras de Crateús - ALC disse...

Poeta das Águas Doces ou Poeta Jaguarão
aquele menino do educandário Júlio de Castilhos, um dia se tornaria o Lendário que muito ousa, o meu amigo José Alberto de Souza!

Raimundo Cândido

Guilherme Braga disse...

Parabéns, Souza.
Esta foi, sem demérito para as demais, a melhor crônica tua que já li.
Deliciei-me com a autenticidade e o humor que revelaste.
Grande abraço.