terça-feira, 29 de novembro de 2011

Pacto não revelado de articuladores (II)

Até que a orquestra parou para o intervalo de descanso dos músicos. Chamaram então Mercedes Ruiz para mais uma apresentação e ela se dirigiu ao palco, enquanto Hilário voltava para a mesa dos amigos. Estes já tinham sido alertados pelo garçom de que estavam sendo aguardados na saída pela turma do namorado ciumento da cantora. (continuação) E, para não sofrerem agressão, recomendava que se retirassem pelos fundos da casa, onde teriam um carro disponível. Embora contrariados, Hilário e os outros foram saindo discretamente de seus lugares para embarcarem no taxi que os conduziria ao hotel em que estavam hospedados.

De volta à sua cidade, Hilário mandou às favas todas as regalias do grupo, retornando aos antigos hábitos de total despreocupação com o futuro. Confiava então mais no taco que lhe prendia todas as noites no "snooker", respirando passivamente o ar viciado da fumaça do cigarro. E os amigos já não sabiam como proceder para livrá-lo dessa recaída em sua auto-estima, pois Hilário se refugiara na vidinha inexpressiva do pó-de-giz e da “cuba libre” para passar o tempo. Já se decorriam alguns meses quando aconteceu o inesperado: chegou um mensageiro em seu habitat noturno, dizendo que tinha alguém precisando falar com ele no principal hotel.

Hilário, educado como era de seu feitio, atendeu o chamado, acompanhando aquele mensageiro que o conduziu até uma das mesas do restaurante anexo ao hotel. Esperava-o Mercedes Ruiz que o convidou para jantar. Ela descobrira o seu paradeiro e viera até ali somente para colocar em pratos limpos o incidente de Buenos Aires. Explicou que há tempos vinha tentando dar um basta nas encrencas daquele namorado e só agora providenciara numa medida judicial que proibia a sua aproximação dentro de certa distância. Assim, ela lamentava o que acontecera à sua revelia, tentando reatar promissores laços de amizade entre os dois.

O fato despertou a curiosidade dos antigos amigos para saber o desfecho do romance, sendo frustrados ante a discrição e o sigilo dele e apenas constatando diferentes rumos seguidos pelos personagens visados. Mas esse conceito sentimental de Hilário se alastrou entre a população feminina da cidade e além fronteiras, assediado e disputado ferrenhamente por uma concorrência sem tréguas. Ele se via constrangido, pura amabilidade, ao manifestar seu desinteresse por qualquer uma das pretendentes sem deixar um rasto de esperança. Hilário despistava-as por roteiros alternativos até chegar naquele seu tranquilo refúgio das noitadas.

Na espreita, ainda continuavam os velhos companheiros, dispostos a obrigar Hilário se definir por uma posição de vanguarda. Eles vislumbraram uma mulher ideal e possível de interessar ao “escorregadio”... Era Leninha, filha única de um estancieiro, dotada de beleza inebriante, também esquiva e exigente com seus admiradores. Estes "cupidos" tramaram então forjar encantadores bilhetinhos a um e outro, manifestando discreto desejo de se conhecerem. Chegados a seu destino, foram o primeiro passo para aproximar Hilário de Leninha. Daí aquela brincadeira inocente evoluiu para o compromisso definitivo que selaria a união desses “pombinhos”...

Hilário logo se tornou o principal assistente do sogro, introduzindo algumas modernas técnicas de manejo no campo. Enfim assumindo funções de pessoa séria e responsável. Mais maduro, entusiasmava os pais de Leninha a ponto de o considerarem como o filho que Deus tinha dado a eles por mera afinidade. Anos a fio, manteve-se o pacto nunca revelado pelos articuladores.

5 comentários:

Gilberto Stone Braga disse...

MUITO BOM.
A LITERATURA SENDO VISTA POR UM ÂNGULO INUSITADO.

Alberto Oliveira disse...

Pois é J.A.de Souza,mestre das palavras sucintas...O personagem tinha a fortuna maior de contar com amigos de fato, que mesmo sem saber, era manipulado por articuladores, para que o trem do seu destino não descarrilhasse...

Anjos da guarda existem, reconhecidos os atributos, articulam para que o destino se cumpra da melhor forma...

Fraterno abraço!

EDEMAR ANNUSECK disse...

Grande Mestre José Alberto de Souza,

Estava ansioso pela continuidade. Agora chego a conclusão que alguém precisa articular sua presença na Academia Brasileira de Letras, por merecimento. Suas histórias são fantásticas.
Forte abraço
Edemar Annuseck
São Paulo - SP

Marcus Basler disse...

Parabéns Zezinho!

Carlos José de Azevedo Machado disse...

Não tenho dúvidas, da necessidade. Então, quando vai sair o próximo livro de crônicas? Afinal, assim como em Valinhos SP, muitas outras escolas vão começar a conhecer José Alberto de Souza. Tio Zezinho, meus parabéns pelas suas histórias. Grande Abraço.