
Apesar da virada dos quatro dígitos, ainda não havíamos chegado ao Século XXI nem tão pouco ao Terceiro Milênio. Porém o fascínio que nos causou trocar o 1 pelo 2 e os três 9 pelos três 0, tinha algo de místico e profundamente revelador. De repente, parecia que despertávamos de um sono letárgico e nos dávamos conta das grandes transformações que ocorriam no mundo em que vivíamos. Dos mais idosos aos mais jóvens, cruzando os limiares de 2001, logo iríamos carregar a pecha de haver nascido no século passado.
Quantos de nós deixamos de perceber a gradativa evolução arquitetônica de nossas cidades? Ainda existiam essas relíquias tombadas pelo patrimônio público como registro de uma época de fausto. Assim, podia-se constatar o alto pé-direito daquelas edificações, as vigas de madeira tosca a sustentar o assoalhado dos pisos superiores. Ou então as artísticas fachadas com ornamentos cuidadosamente executados, portas e janelas refletindo a ostentação de uma riqueza concentrada nas mãos de poucos. Estruturas de ferro e aço, o concreto das lajes, formas buscando a funcionalidade, o ar condicionado, o elevador, provocavam revisão de conceitos no projeto de prédios atualmente mais despojados.
Até meados daquele século, os objetos pareciam relutar em se tornar peças de museu. Geralmente tinham a sua serventia situada desde um passado distante. E eis que chegávamos a civilização do consumismo desenfreado, do obsoletismo programado. E ai começávamos a fazer arqueologia em recentes depósitos de lixo, dos quais se extrairiam desde radinhos de pilha até computadores e calculadoras eletrônicas, resultantes da revolução que a nanotecnologia ocasionava na compactação desses aparelhos.
Quantos de nós, já arqueados pelos anos, ainda não revivíamos aqueles tempos em que possuir uma geladeira dava status a seu proprietário? Em que teimávamos, década de quarenta provavelmente, mantendo os “frigoríficos”, móveis de madeira de lei, revestidos internamente com folhas-de-flandres, onde se gelavam e conservavam bebidas e alimentos, juntos a barras de gelo. Essas adquiridas em fábricas funcionando anexas a usinas elétricas com geradores acionados pelo vapor resultante da queima de carvão nas caldeiras.
Os antigos filmes americanos já nos mostravam as primitivas televisões que surgiam no mercado ianque, um inacessível sonho para nós brasileiros que não demorou muito para se concretizar – essa majestade que determinava a derrocada do rádio e do cinema, trancando as pessoas em casa com drástica mudança de costumes. As visitas perdiam a sua razão de ser...
E ainda permanecia fresca em nossa memória a lembrança do telefone de manivela com bocal fixo e terminal de escuta que se levava ao ouvido, solicitando-se o número desejado à telefonista na Central para aguardar com o fone no gancho que fosse completada a chamada... Então engavetávamos esse texto com receio de que fossem dizer que havíamos começado a “recordar a História, nem era preciso ensinar”.