segunda-feira, 23 de julho de 2007

João Peixoto Primo

De repente, baixa em mim aquele espírito de jovem que já fui, como se a eternidade houvesse chegado. Sensação estranha essa de manter vivas aquelas aspirações que me acompanham há tantos anos. Recuso-me terminantemente a aceitar o LP como obsoleto. Aquela bolacha grandota ainda me provoca o mesmo fascínio de antes. O passado confunde-se todo, é compacto demais para mim. Tanto que já faz um bom tempo, andei comprando um vinil do Primo. Na capa, ele de smoking e gravata borboleta, na elegância de sempre, apenas com a calva já pronunciada apontando-lhe o avanço dos anos.
Pois bem, lá pela década de 50, o Primo tinha uma orquestra em Rio Grande e costumava tocar nos bailes de carnaval do Harmonia, em Jaguarão. Na época, eu me esbaldava na folia, embalado pelo som trepidante do sopro dos metais e da percussão dos tambores. Aonde ia a orquestra, todo mundo seguia. Primeiro, fazendo a volta pelo salão, depois passando pela copa e ganhando a rua numa rápida circulada para refrescar. Antes que o dia clareasse, uma pausa para a moçada renovar as energias, era quando mudava o ritmo e vinha aquele bolero arrastado, os pares dançando de rosto colado, agarradinhos, misturando suores.
Porém, acabou-se o meu tempo no Interior e migrei para a Capital, também chegando junto o Primo. Topávamos vezes seguidas na rua da Rua da Praia, não havia a intimidade, mas sempre partia do Primo a iniciativa do cumprimento; impressionava-me com a sua memória fisionômica. Havia um pessoal conhecido de Rio Grande que tinha servido no 13º. Regimento de Cavalaria, em Jaguarão, o Antonio Ledur Dias, o Helodi Garcia Rodrigues (um dos primeiros locutores da TV) e que privavam da sua amizade, apresentaram-me e ele retrucou: conheço-te dos bailes do Harmonia. A simpatia e o magnetismo pessoal eram-lhe inerentes ao próprio caráter.
Depois vieram a faculdade, as reuniões dançantes nos centros acadêmicos, as esticadas da Arquitetura até a Farmácia, os bailes da Reitoria. A onda romântica dos conjuntos melódicos, Renato, Norberto Baldauf, Flamboyant... De vez em quando, eles ressurgem. O clima descontraído, as horas agradáveis, a gente nem notava os instrumentistas. Eles sumiam na própria música que impregnava o ambiente. Talvez por isso, eu não me lembre de ter ousado minhas primeiras contradanças sob o ímpeto de tais conjuntos. Houvesse notado o Primo entre os integrantes e, por certo, o perceberia sorrindo marotamente.
O passado compacta-se cada vez mais, vai-se uma década, tornei a encontrar o Primo tocando piano no Clube da Aeronáutica, em Brasília.
Em janeiro de 2001, o grupo Os Três de Brasília, constituído por João Peixoto Primo (teclados), Baby (vocal) e Primo Filho (percussão), aqui enxertado por Fernando Collares (vocal) e Francisco Pedroso (guitarra), esteve em turnê por Tramandai, Rio Grande e Capão Novo. Nesta última localidade, junto com o amigo Ernani Kurtz, assistimos ao Show Que Todo Mundo Gosta, quando então pude colher o autógrafo que estava faltando na relíquia daquele disco. Durante o dia, a chuva tinha alagado essa praia e, de noite, a fiação elétrica continuava úmida, dando terríveis choques na guitarra do Chico e não permitindo que este tocasse, apesar do Primo agüentar firme, mesmo com os fiapos da careca em pé...