sexta-feira, 24 de agosto de 2007

L.F.Veríssimo - ZH 15/10/82 - Pag.6 - A Serenata (I)

O Souza se declarava:
- Sou o último romântico do mundo!
E era mesmo um tipo em extinção. Um galanteador. As mulheres não sabiam como reagir aos rapapés do Souza. Ficavam confusas quando Souza não apenas lhes beijava as mãos como dizia: A seus pés. Seria gozação?
Mas gostavam. Era diferente. Às vezes precisavam se controlar para não rir quando o Souza fazia uma frase rebuscada sobre a cor dos seus olhos ou comparava pescoços com torres de alabastro. Mas que diabo, elogio é elogio, não importa o estilo. E não foram poucas as que sucumbiram ao charme antigo do Souza. Depois contavam que o Souza não queria nada, queria mesmo era namorar, ir ao cinema e depois a uma confeitaria. O Souza era esta outra coisa ultrapassada, um moço respeitador.
Laura era belíssima e o Souza, assim que a conheceu, fez um soneto. Laura achou graça, fez um comentário qualquer - Legal ou Falou - e esqueceu. Mesmo porque não saberia o que dizer a um homem de cabelo engomado e casaco acinturado.
O Souza mandava flores para Laura. Um bouquet por dia, todos os dias, sempre acompanhado de um soneto. Escrito em tinta verde, como a minha esperança. Mas a Laura nada. Trabalhava, estudava, queria se formar em psicologia, tinha mais o que fazer. Que cara chato, era a sua única reação. Até que o Souza teve uma idéia.
- Uma serenata!
Os amigos tentaram dissuadí-lo.
- Isso não se usa mais, Souza.
- Por isso mesmo. O impacto vai ser maior.
Em pouco tempo o Souza reuniu o necessário: dois violões, um cavaquinho, uma flauta e, como cantor, o Nosso, um farmacêutico. De tanto ser chamado pelos amigos de o nosso Cauby, o farmacêutico acabara conhecido apenas pelo apelido. Mas o que pegara fora o nosso não o Cauby.
Tudo pronto para a serenata. Só havia um problema. Laura morava num oitavo andar, fundos. Se fizessem a serenata na frente do edifício, acordariam todos os moradores de frente e a Laura não ouviria. E atrás do edifício passava um viaduto. (continua amanhã)

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